quinta-feira, 7 de abril de 2022

Os homens do guarda-chuva

 

A Invasão Cibernética em MartiNÓpolis

cena extraída da peça Fando e Lis de Fernando Arrabal

 

Entram três homens: Mitaro, Namur e Toso. Namur anda entre seus dois amigos e segura um grande guarda-chuva preto que cobre os três. Formam um só bloco. Eles param longe de Lis e Fando para inspecionar o lugar sem dar a menos atenção a eles. Depois da inspeção, bastante minuciosa, da parte de Mitaro e Namur que chegam a cheirar o chão. De novo os três se reúnem debaixo do guarda-chuva)

TOSO - Sim, podemos dormir aqui.

MITARO - Mas antes, temos que saber de onde vem o vento. (Molha o dedo com cuspe e o levanta no ar)

NAMUR - Isso não importa. O importante é saber para onde ele vai.

TOSO - Vamos dormir debaixo do guarda-chuva, e deixemos em paz o vento.

MITARO - (Ofendido) Você é sempre tão tranquilo.

NAMUR - (A Mitaro) Se fossemos por ele, já estaríamos todos mortos.

MITARO - (A Namur) Mortos ou pior ainda. E tudo por sua maldita mania de não tomar precauções.

TOSO - (Chateado) O mais importante, creio eu, é dormir.

MITARO - O mais importante é saber de onde vem o vento.

NAMUR - (Corrigindo-o suavemente) Não, o importante é saber para onde ele vai.

MITARO - Eu insisto em dizer que o importante é saber de onde vem o vento.

NAMUR - Enfim, não vou ser intransigente. Não quero ser como Toso. Como você quiser.

MITARO - (Muito satisfeito) Então, ficamos de acordo que o importante é saber de onde vem o vento.

NAMUR - (Conciliador) Pois é, saber de onde vem o vento. (Depois de uma breve pausa, continua num tom mais baixo) ... E para onde vai depois de ter vindo.

TOSO - (Interrompendo) Para mim, vocês podem dizer o que quiserem, mas o que é realmente importante é se colocar a dormir o mais rápido possível.

MITARO - (Com muita raiva) É isso, não há nada mais simples, colocarmo-nos a dormir. E depois, o que?

NAMUR - Isso, isso, e depois, o que?

TOSO - Depois... Nós veremos.

MITARO - Nós veremos! Assim acontecem as piores catástrofes, por não prevenir, por não tomar as mínimas precauções.

NAMUR - Exatamente, exatamente. E quanto tempo levaria para tomarmos as precauções? Praticamente um instante. Que riscos evitaríamos com nossas preocupações? Infinitos.

MITARO - Muito bem falado.

TOSO - Eu fico muito cansado tomando precauções.

MITARO - O cavalheiro se cansa.

TOSO - Além do mais, é muito difícil.

MITARO - Agora ele vai nos dizer que não pode fazer o menor esforço.

TOSO - Não é um pequeno esforço, é muito grande.

MITARO - O cavalheiro vai ficar com hérnia.

NAMUR - Talvez ele tenha razão, o esforço de prever é muito grande e muito complicado. E tomar as justas precauções é quase impossível.

MITARO - Sim, tenho que reconhecer. É um grande esforço, mas instantâneo, um esforço que dura pouco tempo.

NAMUR - Que dura pouco tempo? Depende da maneira como você o observa.

MITARO - Não venha com as suas histórias, agora, eu me lembro bem daquilo que você me disse outro dia de que dois fenômenos simultâneos para um observador terrestre, não o são para um observador planetário. Daí você deduzia que a simultaneidade era relativa e que em consequência o tempo também é algo relativo. Eu já disse que tudo isso não acredito nem um cabelo.

NAMUR - A única coisa que eu afirmo, é que o esforço não dura pouco tempo.

MITARO - (Enfadado, não sabendo o que responder, se cala, depois diz) Mas nós nos afastamos do ponto central da questão que era saber de onde vem o vento.

NAMUR - Exatamente. Tentávamos saber de onde vem o vento... (Continua em tom mais baixo) ... Para saber para onde ele vai.

MITARO - Estávamos simplesmente tomando as precauções para poder dormir tranquilamente, quando em seguida Toso disse que o importante era dormir.

TOSO - Mas...

NAMUR - (Interrompendo num tom indignado) Reconhece, Toso, que até agora você nos impediu de dormir com as suas extravagâncias e a sua falta de solidariedade em relação as nossas posturas. (Toso não diz nada)

MITARO - Nem por um instante você parou para estudar com inteligência as nossas posições, mas ao contrário, você se afastou do nosso ponto de vista de uma maneira desconsiderada e destrutiva.

TOSO - Eu apenas disse que o importante era dormir debaixo do guarda-chuva o mais rápido possível.

NAMUR - (Indignado) Que audácia! Você ainda se atreve reconhecer cinicamente, sem nos pedir perdão. No seu lugar, eu cairia a cara de vergonha. E nós continuamos discutindo por culpa sua.

MITARO - Exatamente, por sua culpa.

NAMUR - Você está vendo que eu renunciei a minha primeira posição que sustentava que o importante era saber de onde vem o vento, para conseguir um acordo mais rápido que nos facilitasse dormir rapidamente, e diga-se de passagem, como essa luz que me ilumina, que o importante é saber para onde vai o vento.

MITARO - (Sorridente, mas incisivo) Sem querer lhe contradizer, demasiadamente, quero deixar bem claro que o importante é saber de onde vem o vento.

NAMUR - (Procura sorrir para dissimular a sua cólera) Eu me permito assegurar que todo o mundo estará de acordo em reconhecer que o importante é saber para onde vai o vento.


a poética do ciúme da poética

 Federico - Odara qual foi que marcamos as 13 e 15 e  você não apareceu?

 Odara - pra que eu iria aparecer se as 13 e 15 você marcou com Clarice também.

 Clarice - Odara, mas ele marcou pra gente ensaiar

 Odara - quanta coincidência! Meus Deus não é possível, vocês querem me fazer de idiota?

 Federico - não estou te entendendo, depois você diz, que estou inventando, quando digo que você quer e finge que não quer.

 Odara - eu quero o que?

 Clarice - Odara eu estou achando que você é bipolar! Que coisa estranha, uma hora está de  um jeito e de repente está de outro

 Odara - Clarice acho que bipolar são teus óculos que não estão me enxergando direito.

 Odara - Meu Deus, deixa eu sair de cena senão vai acabar eu apanhando aqui

 Federico - por quê trancar as portas tentar proibir as entradas se seu já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas?

 Odara - um beija flor risca no espaço algumas letras de um alfabeto grego, signo de comunicação indecifrável. Eu tenho fome de terra e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos.

 Federico - quando piso na Augusta, o poema dá um tapa na cara da Paulista. Flutuar entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa, Caio Prado, Martins Fontes, um bacanal de ruas tortas.

 Odara - eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta

 Federico - o correto deixei na cacomanga matagal onde nasci. com os seus dentes de concreto São Paulo é quem me devora e selvagem devolvo a dentada na carne da rua Aurora.

 Odara - nesses dois olhos discretos há um poema concreto simbolista quase secreto agulha na minha vista sangue profano na veia sangue profano na veia nesses dois olhos discretos simbolistas quase secretos como um poema concreto no prato da santa ceia

 Federico - rasguei as velas que teci em tempestades rompi as noites em alto mar de maresias pensei teu corpo pra amenizar tanta  saudade e vi teus olhos em cada vela que tecia.

este teu olho que me olha azul safira ou mesmo verde esmeralda fosse pedra – pétala rara carne da matéria doce ou mesmo apenas fosse esse teu olho que me molha quando me entregas do mar toda alga que me trouxe.

 Odara - Você só quer saber de metáforas meta física entre linhas, percebo em cada poema que a tua mística não é minha, tem alguma outra Gisele nesta flor da tua pele que é Sagarana e  curuminha.

 Federico - por enquanto  vou te amar assim em segredo  como se o sagrado fosse  o maior dos pecados originais  e minha língua fosse  só furor dos Canibais  e essa lua mansa fosse faca  a afiar os versos que inda não fiz  e as brigas de amor que nunca quis  mesmo quando o projeto aponta outra direção embaixo do nariz e é mais concreto  que a argamassa do abstrato

por enquanto vou te amar assim

admirando teu retrato pensando a  minha idade

e o que trago da cidade embaixo as solas dos sapatos

 

Esfinge

 

o amor 
não e apenas um nome 
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra 
no outro calo fome por fome 
é que a flor da minha pele
consome a pele do meu nome

cravado espinho na chaga 
como marca cicatriz 
eu sou ator ela esfinge 
ana alice/beatriz

assim vivemos cantando 
fingindo que somos decentes 
para esconder o sagrado 
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem 
a noite sobra do medo

na sombra da tatuagem 
sinal enfim permanente 
ficou pregando uma peça 
em nosso passado presente

o nome tem seus mistérios 
que se escondem sob panos
o sol e claro quando não chove 
o sal e bom quando de leve 
para adoçar desenganos 
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem 
não tem volta

o amor é a coisa mais torta 
que mora lá dentro de mim 
teu céu da boca e a porta 
onde o poema não tem fim



Curso de Artes Cênicas - O Espelho

SESC Campos 

Direção: Artur Gomes


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