A Invasão
Cibernética em MartiNÓpolis
cena extraída da peça Fando e Lis de Fernando Arrabal
Entram
três homens: Mitaro, Namur e Toso. Namur anda entre seus dois amigos e segura
um grande guarda-chuva preto que cobre os três. Formam um só bloco. Eles param
longe de Lis e Fando para inspecionar o lugar sem dar a menos atenção a eles.
Depois da inspeção, bastante minuciosa, da parte de Mitaro e Namur que chegam a
cheirar o chão. De novo os três se reúnem debaixo do guarda-chuva)
TOSO - Sim, podemos dormir aqui.
MITARO - Mas antes,
temos que saber de onde vem o vento. (Molha o dedo com cuspe e o levanta no ar)
NAMUR - Isso não
importa. O importante é saber para onde ele vai.
TOSO - Vamos dormir debaixo do
guarda-chuva, e deixemos em paz o vento.
MITARO - (Ofendido)
Você é sempre tão tranquilo.
NAMUR - (A Mitaro)
Se fossemos por ele, já estaríamos todos mortos.
MITARO - (A Namur)
Mortos ou pior ainda. E tudo por sua maldita mania de não tomar precauções.
TOSO - (Chateado) O mais
importante, creio eu, é dormir.
MITARO - O mais
importante é saber de onde vem o vento.
NAMUR -
(Corrigindo-o suavemente) Não, o importante é saber para onde ele vai.
MITARO - Eu insisto
em dizer que o importante é saber de onde vem o vento.
NAMUR - Enfim, não
vou ser intransigente. Não quero ser como Toso. Como você quiser.
MITARO - (Muito
satisfeito) Então, ficamos de acordo que o importante é saber de onde vem o vento.
NAMUR -
(Conciliador) Pois é, saber de onde vem o vento. (Depois de uma breve pausa,
continua num tom mais baixo) ... E para onde vai depois de ter vindo.
TOSO -
(Interrompendo) Para mim, vocês podem dizer o que quiserem, mas o que é
realmente importante é se colocar a dormir o mais rápido possível.
MITARO - (Com muita
raiva) É isso, não há nada mais simples, colocarmo-nos a dormir. E depois, o
que?
NAMUR - Isso, isso,
e depois, o que?
TOSO - Depois... Nós veremos.
MITARO - Nós veremos!
Assim acontecem as piores catástrofes, por não prevenir, por não tomar as
mínimas precauções.
NAMUR - Exatamente,
exatamente. E quanto tempo levaria para tomarmos as precauções? Praticamente um
instante. Que riscos evitaríamos com nossas preocupações? Infinitos.
MITARO - Muito bem
falado.
TOSO - Eu fico
muito cansado tomando precauções.
MITARO - O cavalheiro
se cansa.
TOSO - Além do mais, é muito
difícil.
MITARO - Agora ele
vai nos dizer que não pode fazer o menor esforço.
TOSO - Não é um
pequeno esforço, é muito grande.
MITARO - O cavalheiro
vai ficar com hérnia.
NAMUR - Talvez ele
tenha razão, o esforço de prever é muito grande e muito complicado. E tomar as
justas precauções é quase impossível.
MITARO - Sim, tenho
que reconhecer. É um grande esforço, mas instantâneo, um esforço que dura pouco
tempo.
NAMUR - Que dura
pouco tempo? Depende da maneira como você o observa.
MITARO - Não venha
com as suas histórias, agora, eu me lembro bem daquilo que você me disse outro
dia de que dois fenômenos simultâneos para um observador terrestre, não o são
para um observador planetário. Daí você deduzia que a simultaneidade era
relativa e que em consequência o tempo também é algo relativo. Eu já disse que
tudo isso não acredito nem um cabelo.
NAMUR - A única
coisa que eu afirmo, é que o esforço não dura pouco tempo.
MITARO - (Enfadado,
não sabendo o que responder, se cala, depois diz) Mas nós nos afastamos do
ponto central da questão que era saber de onde vem o vento.
NAMUR - Exatamente.
Tentávamos saber de onde vem o vento... (Continua em tom mais baixo) ... Para
saber para onde ele vai.
MITARO - Estávamos
simplesmente tomando as precauções para poder dormir tranquilamente, quando em
seguida Toso disse que o importante era dormir.
TOSO - Mas...
NAMUR -
(Interrompendo num tom indignado) Reconhece, Toso, que até agora você nos
impediu de dormir com as suas extravagâncias e a sua falta de solidariedade em
relação as nossas posturas. (Toso não diz nada)
MITARO - Nem por um
instante você parou para estudar com inteligência as nossas posições, mas ao
contrário, você se afastou do nosso ponto de vista de uma maneira
desconsiderada e destrutiva.
TOSO - Eu apenas
disse que o importante era dormir debaixo do guarda-chuva o mais rápido
possível.
NAMUR - (Indignado)
Que audácia! Você ainda se atreve reconhecer cinicamente, sem nos pedir perdão.
No seu lugar, eu cairia a cara de vergonha. E nós continuamos discutindo por
culpa sua.
MITARO - Exatamente,
por sua culpa.
NAMUR - Você está
vendo que eu renunciei a minha primeira posição que sustentava que o importante
era saber de onde vem o vento, para conseguir um acordo mais rápido que nos
facilitasse dormir rapidamente, e diga-se de passagem, como essa luz que me
ilumina, que o importante é saber para onde vai o vento.
MITARO - (Sorridente,
mas incisivo) Sem querer lhe contradizer, demasiadamente, quero deixar bem
claro que o importante é saber de onde vem o vento.
NAMUR - (Procura
sorrir para dissimular a sua cólera) Eu me permito assegurar que todo o mundo
estará de acordo em reconhecer que o importante é saber para onde vai o vento.
a poética do ciúme da poética
Federico - Odara qual foi que marcamos as 13 e 15 e você não apareceu?
Odara - pra que eu iria aparecer se as 13 e 15 você marcou com Clarice também.
Clarice - Odara, mas ele marcou pra gente ensaiar
Odara - quanta coincidência! Meus Deus não é possível, vocês querem me fazer de idiota?
Federico - não estou te entendendo, depois você diz, que estou inventando, quando digo que você quer e finge que não quer.
Odara - eu quero o que?
Clarice - Odara eu estou achando que você é bipolar! Que coisa estranha, uma hora está de um jeito e de repente está de outro
Odara - Clarice acho que bipolar são teus óculos que não estão me enxergando direito.
Odara - Meu Deus, deixa eu sair de cena senão vai acabar eu apanhando aqui
Federico - por quê trancar as portas tentar proibir as entradas se seu já habito os teus cinco sentidos e as janelas estão escancaradas?
Odara - um beija flor risca no espaço algumas letras de um alfabeto grego, signo de comunicação indecifrável. Eu tenho fome de terra e esse asfalto sob a sola dos meus pés agulha nos meus dedos.
Federico - quando piso na Augusta, o poema dá um tapa na cara da Paulista. Flutuar entre o real e o imaginário João Guimarães Rosa, Caio Prado, Martins Fontes, um bacanal de ruas tortas.
Odara - eu não sou flor que se cheire nem mofo de língua morta
Federico - o correto deixei na cacomanga matagal onde nasci. com os seus dentes de concreto São Paulo é quem me devora e selvagem devolvo a dentada na carne da rua Aurora.
Odara - nesses dois olhos discretos há um poema concreto simbolista quase secreto agulha na minha vista sangue profano na veia sangue profano na veia nesses dois olhos discretos simbolistas quase secretos como um poema concreto no prato da santa ceia
Federico - rasguei as velas que teci em tempestades rompi as noites em alto mar de maresias pensei teu corpo pra amenizar tanta saudade e vi teus olhos em cada vela que tecia.
este teu olho que me olha azul safira ou mesmo verde esmeralda fosse pedra – pétala rara carne da matéria
doce ou mesmo apenas fosse esse teu olho que me molha quando me
entregas do mar toda alga que me trouxe.
Odara - Você só quer saber de metáforas meta física entre linhas, percebo em cada poema que a tua mística não é minha, tem alguma outra Gisele nesta flor da tua pele que é Sagarana e curuminha.
Federico - por enquanto vou te amar assim em segredo como se o sagrado fosse o maior dos pecados originais e minha língua fosse só furor dos Canibais e essa lua mansa fosse faca a afiar os versos que inda não fiz e as brigas de amor que nunca quis mesmo quando o projeto aponta outra direção embaixo do nariz e é mais concreto que a argamassa do abstrato
por enquanto
vou te amar assim
admirando
teu retrato pensando a minha idade
e o que
trago da cidade embaixo as solas dos sapatos
Esfinge
o amor
não e apenas um nome
que anda por sobre a pele
um dia falo letra por letra
no outro calo fome por fome
é que a flor da minha pele
consome a pele do meu nome
cravado espinho na
chaga
como marca cicatriz
eu sou ator ela esfinge
ana alice/beatriz
assim vivemos
cantando
fingindo que somos decentes
para esconder o sagrado
em nossos profanos segredos
se um dia falta coragem
a noite sobra do medo
na sombra da
tatuagem
sinal enfim permanente
ficou pregando uma peça
em nosso passado presente
o nome tem seus
mistérios
que se escondem sob panos
o sol e claro quando não chove
o sal e bom quando de leve
para adoçar desenganos
na língua na boca na neve
o mar que vai e vem
não tem volta
o amor é a coisa
mais torta
que mora lá dentro de mim
teu céu da boca e a porta
onde o poema não tem fim
Curso de
Artes Cênicas - O Espelho
SESC Campos
Direção: Artur Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário