quarta-feira, 30 de abril de 2025

Balbúrdia PoÉtica 6

 

                    Coletivo Macunaíma De Cultura

                                 apresenta:

Balbúrdia PoÉtica

Edição Especial

“Poesia é Balbúrdia”

         Ailton Krenack

 

com: Artur Gomes, Dalton Freire, Estefany Nogueira, Jonas Menezes e Paulo Victor Santanna

textos/poemas de: Ademir  Assunção, Artur Gomes, Clarice Lispector, César Augusto de Carvalho,  Marta Medeiros, Paulo Leminki, Torquato Neto e Viviane Mosé

concepção & direção: Artur Gomes  

 

no princípio era fábula depois veio o verbo logo depois a ficção e aí começou a invenção bem depois das sagaranagens antes fulinaimargens depois das fulinaimânicas atrás das fulinaímicas nem circo nem tarde de mímica apenas alguma paisagem na janela da viagem quando lia o lado b         me transmutando em alquimia

 

Artur Gomes

poema do livro

Itabapoana Pedra Pássaro Poema 


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               Balbúrida PoÉtica 6

Artur Gomes e José Facury

Dois Perdidos Em Seus Poemas Sujos

Poetas convidados: Jiddu Saldanha e Tanussi Cardoso

Roda de Samba com Clarêncio Rodrigues e  Digo da Conceição

Dia 17 maio – 20h

Usina4 – Casa das Artes

Rua Geraldo de Abreu, 4 – Cabo Frio-RJ

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domingo, 20 de abril de 2025

Balbúrdia PoÉtica 6

Balbúrdia PoÉtica 6

Artur Gomes e José Facury

Dois Perdidos Em Seus Poemas Sujos

Poeta Convidados: Jiddu Saldanha e Tanussi Cardoso

Dia 17 de maio – 20h

Usina4 Casa das Artes – Rua Geraldo de Abreu, 4 – Cabo Frio-RJ 


Todo Dia É Dia D

 

desde que eu saí de casa

trouxe a viagem de volta

cravada na minha mão

dentro fora assim comigo

minha própria condução

todo dia é dia dela

pode ser pode não ser

abro a porta ou a janela

               todo dia é Dia D

há urubus no telhado

a carne seca é  servida

um escorpião encravado

na sua própria ferida

não escapa só escapo

           pela porta de saída

 

Torquato Neto

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Balbúrdia PoÉtica 6

Artur Gomes e José Facury

Dois Perdidos Em Seus Poemas Sujos

Dia 17 maio – 20h

Usina4 – Casa das Artes – Rua Geraldo de Abreu, 4 – Cabo Frio-RJ

 

NADA

 

Meu poema é menor

Não serve pra quem está indignado

Extasiado, apaixonado...

Dor de dente ou problemas emocionais

Meu poema é o pior de todos que já se viu

 Pois ele não manda ninguém aos infernos

Nem mesmo os manda à puta que os pariu

Esse poema é pior do que um palavrão Porque nele sobrevivem expressões tão pobres

E rimas tão banais

que só terminam em ais, ais, ais

 

José Facury Heluy

 

beatriz – a morta

oswald de andrade re-visitado

como pedra me olhas
como fedra te vejo
vestida de carne nua
a língua na maçã navalha
tua alma transparente crua
o olho por detrás da porta
poema com pavio aceso
quando oswald pariu a morta
tinha o dente
nos teus olhos preso

 

Artur Gomes

In Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

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Itabapoana Pedra Pássaro Poema

 

eu nasci concreto

na horizontal - ereto

depois fui me abstraindo

me substantivando me substituindo

criando outros e outras criaturas

em minhas estruturas amorais do ser

eu nasci assim e fui me associando

a outras escritas as que foram ditas

a outras  não ditas

as benditas as malditas

as que disseram minhas

e a outras que raptei de outros

pela minha nova maneira

natural de ter resistência a toda

qualquer coisa que não

é

e as que são coloco como cartas

sobre a mesa para surpresa

de ver que todo santo dia é dia d

 

Artur Gomes

In Itabapoana Pedra Pássaro Poema

alquimia bruxaria poesia

no site da Editora Litteralux

https://www.editoralitteralux.com.br/loja/itabapoana

Juras Secretas 

feitiçarias de Artur Gomes –

                  por Michèle Sato 

 

Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro. 

A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas palavras. 

A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.

Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina. 

Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais. E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no infinito. 

não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5) 

De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz. 

e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10) 

Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite pela esperança. 

Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem. 

A essência deste perfume parece estar refletida num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra. 

Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor.

Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade. 

E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas. Dessacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos. 

não gosto de sistemas

seja  qual for

prefiro a anarquia do poema

para alvoroçar o meu amor

28) 

A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do coração. 

20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura secreta 51) 

É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações. 

por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34) 

ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça. 


Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.

*

Irina Serafina - Que análise incrível! Michèle Sato apresenta uma visão profunda e apaixonada da obra de Artur Gomes, destacando sua capacidade de criar uma linguagem poética única e transgressora. Ela enfatiza a forma como Artur Gomes desafia as convenções literárias e cria um novo espaço para a poesia.

A análise destaca a complexidade e a riqueza da linguagem de Artur Gomes, que combina elementos de erotismo, política e filosofia. Michèle Sato também enfatiza a capacidade do poeta de criar uma atmosfera de sedução e mistério, que atrai o leitor e o convida a explorar os labirintos de suas palavras.

A comparação com outros autores e movimentos literários, como o surrealismo e o neoconcretismo, ajuda a contextualizar a obra de Artur Gomes e a destacar sua originalidade.

Michèle Sato também destaca a importância da liberdade e da criatividade na obra de Artur Gomes, que não se limita a seguir regras ou convenções, mas sim busca criar um novo espaço para a poesia e a expressão.

Essa análise é uma contribuição valiosa para a discussão sobre a literatura brasileira contemporânea e destaca a importância da obra de Artur Gomes como um exemplo de poesia inovadora e transgressora.

                         Jura Secreta 

 

não fosse essa jura secreta 

mesmo se fosse e eu não falasse 

com esse punhal de prata 

o sal sob o teu vestido 

o sangue no fluxo sagrado 

sem nenhum segredo 

 

esse relógio apontado pra lua 
não fosse essa jura secreta 
mesmo se fosse eu não dissesse 
essa ostra no mar das tuas pernas 
como um conto do Marquês de Sade 

no silêncio logo depois do susto 

 

Jura secreta 1 

 

a língua escava entre os dentes 
a palavra nova 
fulinaimânica/sagarínica 
algumas vezes muito prosa 
outras vezes muito cínica 

tudo o que quero conhecer: 
a pele do teu nome 
a segunda pele o sobrenome 
no que posso no que quero 

a pele em flor a flor da pele 
a palavra dandi em corpo nua 
a língua em fogo a língua crua 
a língua nova a língua lua 

fulinaímica/sagaranagem 
palavra texto palavra imagem 
quando no céu da tua boca 

a língua viva se transmuta na viagem 

 

Jura secreta 2 

 

não fosse esse punhal de prata 
mesmo se fosse e eu não quisesse 
o sangue sob o teu vestido 
o sal no fluxo sagrado 
sem qualquer segredo 

esse rio das ostras 
entre tuas pernas 
o beijo no instante trágico 
a língua sem que ninguém soubesse 
no silêncio como susto mágico 
e esse relógio sádico 
como um Marquês de Sade 

                  quando é primavera 

* 

Jura secreta 3 

 

fosse essa jura sagrada 

como uma boda de sangue 

às 5 horas da tarde 

a cara triste da morte 

faca de dois gumes 

naquela nova granada 

e Federico Garcia Lorca 

naquela noite de Espanha 

não escrevesse mais nada 


Jura secreta 4 

 

a menina dos meus olhos 

com os nervos à flor da pele 

brinca de bem-me-quer 

ela inda pensa que é menina 

mas já é quase uma mulher 

  

Jura secreta 5 

 

não fosse essa alga 

queimando em tua coxa 

ou se fosse e já soubesse 

mar o nome do teu macho 

o amor em ti consumiria 

 

Olga Savary 

no sumidouro dos meus dias 

 

o couro cru 

na antropofágica erótica 

carne viva 

tua paixão em mim 

voraz língua nativa


Jura secreta 6 

 

o que passou não ficará já foi 

a menina dos meus olhos 

roubou a tua menina 

e levou para festa do boi 

 

fosse um Salgado Maranhão 
nosso batismo de fogo 
25 de março 
e o morro querosene  em chamas 
no canto pro tempo nascer 

e o amor que a gente faria 

o sol acabou de fazer 

 

 

Jura secreta 7 

 

fosse Sampa uma cidade 

ou se não fosse não importa 

 

essa cidade me transporta 

me transborda me alucina 

 

me invade inter/fere na retina 

com sua cruel beleza 

 

como Oswald de Andrade 
e sua realidade 

 

como Mário de Andrade 

e sua delicadeza  


Jura Secreta 8

artefato (poema sujo)

 

numa cidade abstrata

sem sentido ou significado

matadouro é arte concreta

veracidade é pecado

pago com pena de morte

 

esta máquina de escrever

fotografada em Itaguara

como um poema de Lorca

escrito em Nova Granada

cravado em Araraquara

 

você não sabe onde está

você não sabe onde  é

você não sabe de quem foi

este punhal na metáfora

que sangra a carne do boi

 

Jura secreta 9 

 

não fosse o teu amor 

o meu conforto 

e eu teu anjo torto 

meu amor como seria 

 

se a jura secreta 

não fosse mais que um poema 

e se eu não te amasse 

como Glauber no cinema 

 

o que tenho aqui 

no corpo em transe

:

a quem daria? 


Jura secreta 10 

 

fosse o que eu quisesse 

apenas um beijo roubado em tua boca 

dentro do poema nada cabe 

nem o que sei nem o que não se sabe 

 

e o que não soubesse 
do que foi escrito 
está cravado em nós 
como cicatriz no corte 
entre uma palavra e outra 

           do que não dissesse 

 

Jura secreta 11

 engenho 484 

para jiddu saldanha 

 

arrancar do gesto 

a palavra chave 

da palavra a imagem xis 

tudo por um risco 

tudo por um triz 

 

o trem bala (cospe esqueletos 
no depósito da Central) 
fuzil pode ser nosso brinquedo: 

novo enredo para o próximo carnaval

 

Jura  secreta 12

Sargaço em tua boca espuma

 

em Armação de Búzios

 tenho um amor sagrado

guardado como jura secreta

que ainda não fiz para Laís

 

em teus cabelos girassóis de estrelas

que de tanto vê-las o meu olho  vela

e o que tanto diz  onda do mar  não leva

da areia da praia onde grafei teu nome

para matar a sede e muito mais a fome

 

entranhada  na carne como flor de Lótus

grudada na pele como tatuagem

flutuando ao vento como leve pluma

no salgado corpo do além mar afora

 

sargaço em tua boca espuma

onde moram  peixes  - na cumplicidade

do que escrevo agora

 

Jura secreta 13 

 

o tecido do amor já esgarçamos 

em quantos outubros nos gozamos 

agora que palavro Itaocaras 

e persigo outras ilhas 

na carne crua do teu corpo 

amanheço alfabeto grafitemas 

 

quantas marés endoidecemos 
e aramaico permaneço doido e lírico 
em tudo mais que me negasse 
flor de lótus flor de cactos flor de lírios 
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse 
Hilda Hilst quando então se me amasse 

ardendo em nós salgado mar e Olga risse 
pulsando em nós flechas de fogo se existisse 

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 


*

Juras secretas em alta voltagem

por Krishnamurti Góes dos Anjos

 

Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. 

A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud. 

O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta: 

Jura  34

porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve 

Jura 63

não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire 

Jura 69

há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho. 

Jura 70

meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou   lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa. 

Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras”.


Juras secretas de um trovador contemporâneo 

por Adriano Moura  

“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto livro do poeta Artur Gomes. 

Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores. 

Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985) e  Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

Jura secreta 45

 por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos canibais 

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga. 

Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional. 

Jura secreta 13

 quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí. 

Jura secreta 43

 com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf). Professor de Literatura do IFF –

Doutor em Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG – poeta e dramaturgo

*

SINOPSE

A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto, a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que chama por Eros.  Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes, as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta compara a procura pela  palavra com o escavar libidinoso que os amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora, por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.

 

Tonho França – poeta e editor 


Balbúrdia Poética 9

Jura secreta 34 por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus própr...