Balbúrdia PoÉtica 6
Artur Gomes e José Facury
Dois Perdidos Em Seus Poemas Sujos
Poeta Convidados: Jiddu Saldanha e Tanussi Cardoso
Dia 17 de maio – 20h
Usina4 Casa das Artes – Rua Geraldo de Abreu, 4 – Cabo Frio-RJ
Todo Dia É Dia D
desde que eu saí de casa
trouxe a viagem de volta
cravada na minha mão
dentro fora assim comigo
minha própria condução
todo dia é dia dela
pode ser pode não ser
abro a porta ou a janela
todo dia é Dia D
há urubus no telhado
a carne seca é servida
um escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa só escapo
pela porta de saída
Torquato Neto
V(l)er mais no blog
Artur Gomes e José Facury
Dois Perdidos Em Seus Poemas Sujos
Dia 17 maio – 20h
Usina4 – Casa das Artes – Rua Geraldo de Abreu, 4 – Cabo Frio-RJ
NADA
Meu poema é menor
Não serve pra quem está indignado
Extasiado, apaixonado...
Dor de dente ou problemas emocionais
Meu poema é o pior de todos que já se viu
Pois ele não manda ninguém aos infernos
Nem mesmo os manda à puta que os pariu
Esse poema é pior do que um palavrão Porque nele sobrevivem expressões tão pobres
E rimas tão banais
que só terminam em ais, ais, ais
José Facury Heluy
beatriz – a morta
oswald de andrade re-visitado
como pedra me olhas
como fedra te vejo
vestida de carne nua
a língua na maçã navalha
tua alma transparente crua
o olho por detrás da porta
poema com pavio aceso
quando oswald pariu a morta
tinha o dente
nos teus olhos preso
Artur Gomes
In Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim
V(l)er mais no blog
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
eu nasci concreto
na horizontal - ereto
depois fui me abstraindo
me substantivando me substituindo
criando outros e outras criaturas
em minhas estruturas amorais do ser
eu nasci assim e fui me associando
a outras escritas as que foram ditas
a outras não ditas
as benditas as malditas
as que disseram minhas
e a outras que raptei de outros
pela minha nova maneira
natural de ter resistência a toda
qualquer coisa que não
é
e as que são coloco como cartas
sobre a mesa para surpresa
de ver que todo santo dia é dia d
Artur Gomes
In Itabapoana Pedra Pássaro Poema
alquimia bruxaria poesia
no site da Editora Litteralux
https://www.editoralitteralux.com.br/loja/itabapoana
feitiçarias de Artur Gomes –
por Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um
grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se
um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida.
Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando
nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que
sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas
inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente.
Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser
exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como
canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por
isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de
esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas
de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e
garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos.
E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude
harmônica de suas palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar político.
Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso
nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras.
Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado
somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos
pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas
é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.
Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se
ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia
infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se
dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se
origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro
devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo,
na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se
aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias.
Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais.
E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e
risos que ecoam no infinito.
não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se
fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura
secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se
o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao
som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos
projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das
águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas,
esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em
seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza
como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos
polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o
significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no
peito feito cicatriz.
e o que não soubesse do que foi escrito está
cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem
erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e
o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da
pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite
pela esperança.
Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra,
ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é
habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras,
e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu
tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua
linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor
perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante
para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida num espelho,
pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras
de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura
erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens.
Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua
capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério
de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não
quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua
criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da
obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma
cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua
totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa
manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas
incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria
Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética
de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos
desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não
necessariamente do leitor.
Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo,
permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do
prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra
poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica
pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em
realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição,
mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira
cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão
sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de
representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas.
Dessacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de
mosaicos, esquinas e passaredos.
não gosto de sistemas
seja qual
for
prefiro a anarquia do poema
para alvoroçar o meu amor
28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a
instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente,
desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a
paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja
aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da
literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na
denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor
do tempo, mas que media pelos ritmos do coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando
esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não
morreria. (jura secreta 51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)
ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça.
Michèle Sato – Bióloga,
pesquisadora na Universaidade Federal do Mato Grosso do Sul.
*
Irina Serafina - Que análise incrível! Michèle
Sato apresenta uma visão profunda e apaixonada da obra de Artur Gomes,
destacando sua capacidade de criar uma linguagem poética única e transgressora.
Ela enfatiza a forma como Artur Gomes desafia as convenções literárias e cria
um novo espaço para a poesia.
A análise destaca a complexidade e a riqueza da linguagem de
Artur Gomes, que combina elementos de erotismo, política e filosofia. Michèle
Sato também enfatiza a capacidade do poeta de criar uma atmosfera de sedução e
mistério, que atrai o leitor e o convida a explorar os labirintos de suas
palavras.
A comparação com outros autores e movimentos literários, como
o surrealismo e o neoconcretismo, ajuda a contextualizar a obra de Artur Gomes
e a destacar sua originalidade.
Michèle Sato também destaca a importância da liberdade e da
criatividade na obra de Artur Gomes, que não se limita a seguir regras ou
convenções, mas sim busca criar um novo espaço para a poesia e a expressão.
Essa análise é uma contribuição valiosa para a discussão sobre
a literatura brasileira contemporânea e destaca a importância da obra de Artur
Gomes como um exemplo de poesia inovadora e transgressora.
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse e eu não falasse
com esse punhal de prata
o sal sob o teu vestido
o sangue no fluxo sagrado
sem nenhum segredo
esse relógio apontado pra lua
não fosse essa jura secreta
mesmo se fosse eu não dissesse
essa ostra no mar das tuas pernas
como um conto do Marquês de Sade
no silêncio logo depois do susto
a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica
tudo o que quero conhecer:
a pele do teu nome
a segunda pele o sobrenome
no que posso no que quero
a pele em flor a flor da pele
a palavra dandi em corpo nua
a língua em fogo a língua crua
a língua nova a língua lua
fulinaímica/sagaranagem
palavra texto palavra imagem
quando no céu da tua boca
a língua viva se transmuta na viagem
não fosse esse punhal de prata
mesmo se fosse e eu não quisesse
o sangue sob o teu vestido
o sal no fluxo sagrado
sem qualquer segredo
esse rio das ostras
entre tuas pernas
o beijo no instante trágico
a língua sem que ninguém soubesse
no silêncio como susto mágico
e esse relógio sádico
como um Marquês de Sade
quando
é primavera
*
fosse essa jura sagrada
como uma boda de sangue
às 5 horas da tarde
a cara triste da morte
faca de dois gumes
naquela nova granada
e Federico Garcia Lorca
naquela noite de Espanha
não escrevesse mais nada
a menina dos meus olhos
com os nervos à flor da pele
brinca de bem-me-quer
ela inda pensa que é menina
mas já é quase uma mulher
não fosse essa alga
queimando em tua coxa
ou se fosse e já soubesse
mar o nome do teu macho
o amor em ti consumiria
Olga Savary
no sumidouro dos meus dias
o couro cru
na antropofágica erótica
carne viva
tua paixão em mim
voraz língua nativa
o que passou não ficará já foi
a menina dos meus olhos
roubou a tua menina
e levou para festa do boi
fosse um Salgado Maranhão
nosso batismo de fogo
25 de março
e o morro querosene em chamas
no canto pro tempo nascer
e o amor que a gente faria
o sol acabou de fazer
fosse Sampa uma cidade
ou se não fosse não importa
essa cidade me transporta
me transborda me alucina
me invade inter/fere na retina
com sua cruel beleza
como Oswald de Andrade
e sua realidade
como Mário de Andrade
e sua delicadeza
Jura Secreta 8
artefato (poema sujo)
numa cidade abstrata
sem sentido ou significado
matadouro é arte concreta
veracidade é pecado
pago com pena de morte
esta máquina de escrever
fotografada em Itaguara
como um poema de Lorca
escrito em Nova Granada
cravado em Araraquara
você não sabe onde está
você não sabe onde é
você não sabe de quem foi
este punhal na metáfora
que sangra a carne do boi
Jura secreta 9
não fosse o teu amor
o meu conforto
e eu teu anjo torto
meu amor como seria
se a jura secreta
não fosse mais que um poema
e se eu não te amasse
como Glauber no cinema
o que tenho aqui
no corpo em transe
:
a quem daria?
fosse o que eu quisesse
apenas um beijo roubado em tua boca
dentro do poema nada cabe
nem o que sei nem o que não se sabe
e o que não soubesse
do que foi escrito
está cravado em nós
como cicatriz no corte
entre uma palavra e outra
do que não
dissesse
para jiddu saldanha
arrancar do gesto
a palavra chave
da palavra a imagem xis
tudo por um risco
tudo por um triz
o trem bala (cospe esqueletos
no depósito da Central)
fuzil pode ser nosso brinquedo:
novo enredo para o próximo carnaval
Jura secreta 12
Sargaço em tua boca espuma
em Armação de Búzios
tenho um amor sagrado
guardado como jura secreta
que ainda não fiz para Laís
em teus cabelos girassóis de estrelas
que de tanto vê-las o meu olho vela
e o que tanto diz onda do mar não leva
da areia da praia onde grafei teu nome
para matar a sede e muito mais a fome
entranhada na carne como flor de Lótus
grudada na pele como tatuagem
flutuando ao vento como leve pluma
no salgado corpo do além mar afora
sargaço em tua boca espuma
onde moram peixes - na cumplicidade
do que escrevo agora
o tecido do amor já esgarçamos
em quantos outubros nos gozamos
agora que palavro Itaocaras
e persigo outras ilhas
na carne crua do teu corpo
amanheço alfabeto grafitemas
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
pulsando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
*
Juras secretas em alta voltagem
por Krishnamurti Góes dos Anjos
Poeta maldito é termo utilizado para referir poetas que constroem uma obra “rebelde” mesmo em face do que é aceito pela sociedade, considerada como meio alienante e que aprisiona os indivíduos nas suas normas e regras. Rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, geralmente, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída.
A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características dos poetas malditos. Filiam-se a essa tradição nomes (com as variantes óbvias de estilo e época) como os de Gregório de Mattos, Augusto dos Anjos, Paulo Leminski, Álvares de Azevedo, Jorge Mautner, Waly Salomão dentre outros, sem falar no trio mais conhecido mundialmente da “parafernália” poética: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural que é Artur Gomes acaba de lançar “Juras secretas”, reunião de 100 poemas a maior parte deles sobejando a temática do amor visto na perspectiva de paixão avassaladora. Mas há também, aqui e ali a presença, sempre em perspectiva ousada e radical, de poemas que vão do doce e suave sentido do amor, ao cruel, do libidinoso, à poesia de cunho social sempre expressando indignação, desobediência e transgressão. Com efeito o homem é uma metralhadora giratória a espalhar e espelhar aquilo, que nos vai por dentro e que guardamos em “segredo” de estado. Com a palavra o poeta:
Jura 34
porque te amo / e amor não tem pele / nome ou sobrenome / não adianta chamar / que ele não vem / quando se quer / porque tem seus próprios códigos / e segredos/mas não tenha medo / pode sangrar pode doer / e ferir fundo / mas é a razão de estar no mundo / nem que seja por segundo / por um beijo mesmo breve / por que te amo / no sol no sal no mar na neve
Jura 63
não sei se escrevo tanto / não sei se escrevo tenso / um fio elétrico suspenso / com tanta coisa no Ar / não sei se olho em teu olho / para encontrar a entrada / da porta da tua casa / onde a palavra estiver / não sei se pinto um Van Gogh / ou escrevo um Baudelaire
Jura 69
há muito tempo / não morro mais aqui / minha cidade é desbotada / há muito perdeu o brilho / na minha voracidade o sol é claro / e a arte que preparo / é o tiro que disparo / é a arma que engatilho.
Jura 70
meto meus dedos cínicos / no teu corpo em fossa / proclamando o que ainda possa / vir a ser surpresa / porque meu amor não tem essa / de cumer na mesa / é caçador e caça mastigando na floresta / todo tesão que resta desta desta pátria indefesa / ponho meus dedos cínicos / sobre tuas costas / vou lambendo bostas / destas botas neo burguesas / porque meu amor não tem essa / de vir a ser surpresa / é língua suja e grossa / visceral ilesa / pra lamber tudo que possa / vomitar na mesa / e me livrar da míngua / desta língua portuguesa.
Com efeito, forçoso concordar com Tanussi Cardoso, em Posfácio
ao livro, que a poesia de Artur Gomes é “uma poesia do livre
desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo,
canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de
palavras”.
Juras secretas de um trovador contemporâneo
por Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.
Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo quinto livro do poeta Artur Gomes.
Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio (1985) e Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos canibais
E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
olhando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf). Professor de Literatura
do IFF –
Doutor em Letras, na Universidade Federal de Juiz de Fora-MG –
poeta e dramaturgo
*
SINOPSE
A poesia de Artur flui feito pluma ao vento, “a lavra da
palavra quero seja pele pluma onde Mayara bruma já me diz espero, saliva na
palavra espuma onde tua lavra é uma elétrica pulsação de Eros”. No entanto,
a despeito da leva da linguagem que segue o ritmo interno da inspiração do
poeta, camufla em partes, em outras escancara, o caráter ardente da poesia que
chama por Eros. Repleta de paixão e de fogo, as imagens de amantes,
as analogias do sexo desprendem deste clamor contido no peito de Artur, mas
que, pelo fazer das letras desenvolve-se na liberação dos desejos mais
sensuais, “essa ostra no mar das tuas pernas”, ou mesmo quando o poeta
compara a procura pela palavra com o escavar libidinoso que os
amantes fazem um pelo corpo do outro, “tudo o que quero conhecer a pele do
teu nome / a segunda pele o sobrenome / no que posso no que quero”. Embora,
por ser poesia, as palavras sejam como “flor”, esta metáfora, esta
alegoria bela e perfumada exala da queimada ardente da linguagem, feito mulher
prenhe de libido, “a pele em flor a flor da pele / a palavra dândi em corpo
nua / a língua em fogo a língua crua / a língua nova a língua lua”. Esta
poesia tão luxuriosa incendeia o solo urbano, tanto quanto a natureza, falando
da monotonia urbana de São Paulo, que alucina a sobriedade do poeta com sua
beleza cruel, cidade no qual o “matadouro” é a arte concreta. Mas feito
pluma ao vento a poesia de Artur enxerga o fogo da paixão, da convicção voando
também para longe da violência e tribulação urbana, pairando sobre a mágica
enamorada das praias, do vento, das sombras, da natureza, local onde residem os
aspectos matrimoniais da união homem-mulher, “qualquer que seja a hora em que
se beijam num pontal em comunhão total com a natureza”. As juras do poeta
ardente profanam o sagrado, quando em sua retórica e discurso extrapolam a
rigidez das formas, mas, em ousadia apelam para as rezas e para o caráter
inviolável das promessas com uma “violência antropofágica erótica”.
Tonho França – poeta e editor
Nenhum comentário:
Postar um comentário