BRASILÍADA MANIFESTADA: ODE À TERRA PAPAGALLI
Manifesto de 2022 | Tchello d’Barros
Minha terra é brasilíada, brasidílica, brasilinda!
Aqui tudo que se planta dá e recebe, para além do
pau-brasil, terra de flora melíflua, flores ebúrneas, pétala ebóreas,
inflorescências arborescentes. Olores de eflúvios oníricos e semeadura de
revolução que germina em conquistas do povo, da pólis, de todos.
Aqui a esperança está na brisa, em flagrante fragrância que
poliniza, poesia que prolifera, alma que poliflora.
A força dos afluentes do Rio Amazonas tange o sangue debaixo
da derme, o cume do Monte Roraima tange a tessitura de nossa pela: os cimos da
Serra do Rio do Rastro plasmam nosso corpo que dança e luta: terra que evoca
conquistas por liberdade, lutadas com braço forte e justiça social como norte.
Entre Pasárgada e Ilha de Utopia
Uma criança desenha na areia da praia de Itamaracá a palavra
amor.
As sombras das casas nos povoados e vilas de nosso Brasil
profundo, crescem no poente, formando palavras como: recanto, idílio e paraíso.
Óbidos, Blumenau e Olinda.
Trem, nem sempre tem, mas sempre tem quem te quer bem!
A descoberta desse Brasil é diária. A conquista, também.
É aqui que o Sol nascente encontra primeiro a América menos
americana das Américas.
Aqui tem pau-brasil, pau brasino de brasido e brazedo:
brasilivre de orlas paradisíacas, areias que guardam pegadas de tupinambás e
matas que viram jornadas mundurukus.
Nossos rios são ruas de ontens e amanhãs: fluem no dia de
hoje em nossa parcela planetária.
Terra de ritos: desde Cruzes redentoras, de Terreiros
libertários e Torés transcendentes.
Essa terra tem dono sim senhor: aqui tem perímetros e pontos
cardeais, mas as fronteiras são de abraços, brindes e sorrisos.
Brasilíada, daqui e de lá: do Arroio do Chuí, no Sul, ao
Monte Caburaí no Norte; da Nascente do Rio Moa, no Oeste, à Ponta do Seixas, no
Nordeste. Aqui a bússola da liberdade se desenha no ir e vir da rosa dos ventos
elíseos.
Territórios de florestas e floreiras, matas e clareiras,
ilhas de praia, areia e onda: tem surf na pororoca e mergulho no Pantanal.
Escalada no Monte Roraima e neve em Brunópolis. Desde navegações pelo Rio
Madeira a jornadas pelos Caminhos do Peaberú.
Gente que mudou seu lugar e povo que muda seu mundo
Somos de Pindorama. Somos de Abya Yala. Somos brasilianos.
Nossa esperança vibra à flor da pele e nossa pele é tanta,
de tinta retinta, preta, parda, morena, indígena, branca, de todos os tons:
nossa mistura tem matizes e matrizes misturadas.
Nossa genética plural, cromossômica e helicoidal, constroem
em uníssono um vocábulo: equidade na alteridade e diversidade na democracia.
Na orla de Coruripe, o caiçara e o gringo singram na mesma
jangada. Em Floripa, o nativo e o universal bebem juntos a cachacinha de
alambique em cumbuca de argila. No Cerrado, o mestiço e o cosmopolita lançam a
mesma rede no Lago Paranoá.
Nossa lei se chama Paz.
Nossa bandeira se chama Amor.
Nosso hino é alento e acalanto.
Nosso corpo tem cicatrizes mas nossa alma é de festa.
Aqui é tacape na opressão, borduna no autoritarismo e
zarabatana no fascismo.
Em nosso território, fazemos contas miçangas: eu + tu = nós.
Nós + eles = aldeia local-global. Aqui a soma é sempre: sempre cabe mais um.
Nossa equação, mais que dividir o bolo-de-rolo, multiplica o vinho, o café e o
tacacá.
A coragem, rebeldia e luta por liberdade desde Zumbi,
Calabar, Tiaraju, Anita Garibaldi, Prestes, Mariguella e Niemayer ainda
reverberam em todos nós, por todos nós!
Aos forasteiros imantados pela magia daqui, nosso grito
primal: bem-vindos!
Pluralidades da arte
Aqui, memória, tradição e folclore são arte vivaz na
contemporaneidade.
No gesto espontâneo do poeta de Cordel, as entrelinhas de um
tratado filosófico. No movimento circular da dançarina de Lundu, a lição do
sentido da vida. No semblante do rosto do brincante de Boi Bumbá, a ideologia
que contagia com magia.
A norma culta e a fala dita erudita, brindam abraçadas com os
sotaques diversos e os falares populares dessa gente que tem o que dizer e sabe
o que quer.
Toda filosofia estética cabe no olho que hoje sorriu ao
avistar uma canoa no Rio Acre. Toda teoria poética cabe na voz do gaudério que
entoa uma milonga na invernada. Toda ode antropológica cabe na dança do Xokleng
que invoca seus ancestrais.
A arte visual pulsa em batimentos inefáveis: seja na ruptura
disruptiva das cores de um cocar em Parintins, seja nas nuances frias de uma
rede tecida manualmente em Fortaleza, ou ainda nas tonalidades quentes do
bordado em um vestido da Oktoberfest.
Além da linda lenda: somos imersos em lendas regionais,
contos curtos e causos tantos.
Yes, nós temos Carnaval. Aqui carnavalizamos a vida,
invertemos os poderes instituídos e trocamos os papeis sociais. Sempre com
ginga no pé, com ritmo na bateria e muita arte na fantasia.
Um espinho e muitas pétalas
Nesse lugar em que o Atlântico nos encontra, em que os
ventos andinos nos alcançam, somos a herança das revoluções da América do Sol,
do céu mais azul. Somos entretecidos em revoluções que formam e transformam.
Seguimos antropofágicos-antropomágicos. Aqui, ainda
devora-se Sardinha, ao digerirmos sabores da terra e deglutirmos saberes do
mundo. Sim: ainda bebemos cauim. Degusta-se axé de fala, graspa, garapa e
chimarrão.
Nossa fé mais profunda, oblitera as sanhas oligarcas, exalta
o sonho dos ribeirinhos. Antigos impérios patriarcais, clãs opressores e
dinastias totalitárias aqui deram lugar a solidariedades comunitárias, canções
conjuntas e partilhas do pão entre iguais.
Aqui, na vida ainda há desideratos: há sonho que desenha-se
nas redes do pescador, há desejo no rasto da canoa, há mistério no tapete de
estrelinhas alvacentas que o luar tece sobre a foz do Velho Chico.
Aqui o capitalismo foi devorado e regurgitado como pacto
social.
Fora fardas! Fora fardos! Fora feudos! Fora fraturas de
futuros!
Adeus tropas, patrulhas e pelotões! Bem-vindos saraus,
tertúlias e folguedos!
No lado certo da história
Em nosso brasão brasiliaco, cabem o verde-amarelo, tanto
quanto o vermelhusco coruscante, rubro pau-brasil, encarnado Brasil. É também,
o fim do arco-íris.
Aqui a (r)evolução já aconteceu. E, contamina, penetra,
expande, pois a senha de nossa cidadania chama-se: afetividade!
A elite não é eleita: a política poética à ética pacífica,
da verve artística ao idílio utópico.
O vizinho nos fortalece pois nossa rua é uma pequena pátria.
Quem nos visita, em lume sublime ilumina-se.
Nosso estar no mundo contagia, sutilmente poliniza outras
pólis, outros povos, país adentro, Brasil afora.
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