quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Manifesto de 2022 - Tchello d´Barros

BRASILÍADA MANIFESTADA: ODE À TERRA PAPAGALLI

Manifesto de 2022 | Tchello d’Barros

 Brasilianíssimas


Minha terra é brasilíada, brasidílica, brasilinda!

Aqui tudo que se planta dá e recebe, para além do pau-brasil, terra de flora melíflua, flores ebúrneas, pétala ebóreas, inflorescências arborescentes. Olores de eflúvios oníricos e semeadura de revolução que germina em conquistas do povo, da pólis, de todos.

Aqui a esperança está na brisa, em flagrante fragrância que poliniza, poesia que prolifera, alma que poliflora.

A força dos afluentes do Rio Amazonas tange o sangue debaixo da derme, o cume do Monte Roraima tange a tessitura de nossa pela: os cimos da Serra do Rio do Rastro plasmam nosso corpo que dança e luta: terra que evoca conquistas por liberdade, lutadas com braço forte e justiça social como norte.

 

Entre Pasárgada e Ilha de Utopia

Uma criança desenha na areia da praia de Itamaracá a palavra amor.

As sombras das casas nos povoados e vilas de nosso Brasil profundo, crescem no poente, formando palavras como: recanto, idílio e paraíso. Óbidos, Blumenau e Olinda.

Trem, nem sempre tem, mas sempre tem quem te quer bem!

A descoberta desse Brasil é diária. A conquista, também.

É aqui que o Sol nascente encontra primeiro a América menos americana das Américas.

Aqui tem pau-brasil, pau brasino de brasido e brazedo: brasilivre de orlas paradisíacas, areias que guardam pegadas de tupinambás e matas que viram jornadas mundurukus.

Nossos rios são ruas de ontens e amanhãs: fluem no dia de hoje em nossa parcela planetária.

Terra de ritos: desde Cruzes redentoras, de Terreiros libertários e Torés transcendentes.

Essa terra tem dono sim senhor: aqui tem perímetros e pontos cardeais, mas as fronteiras são de abraços, brindes e sorrisos.

 

Brasilíada, daqui e de lá: do Arroio do Chuí, no Sul, ao Monte Caburaí no Norte; da Nascente do Rio Moa, no Oeste, à Ponta do Seixas, no Nordeste. Aqui a bússola da liberdade se desenha no ir e vir da rosa dos ventos elíseos.

Territórios de florestas e floreiras, matas e clareiras, ilhas de praia, areia e onda: tem surf na pororoca e mergulho no Pantanal. Escalada no Monte Roraima e neve em Brunópolis. Desde navegações pelo Rio Madeira a jornadas pelos Caminhos do Peaberú. 

 

Gente que mudou seu lugar e povo que muda seu mundo

Somos de Pindorama. Somos de Abya Yala. Somos brasilianos.

Nossa esperança vibra à flor da pele e nossa pele é tanta, de tinta retinta, preta, parda, morena, indígena, branca, de todos os tons: nossa mistura tem matizes e matrizes misturadas.

Nossa genética plural, cromossômica e helicoidal, constroem em uníssono um vocábulo: equidade na alteridade e diversidade na democracia.

Na orla de Coruripe, o caiçara e o gringo singram na mesma jangada. Em Floripa, o nativo e o universal bebem juntos a cachacinha de alambique em cumbuca de argila. No Cerrado, o mestiço e o cosmopolita lançam a mesma rede no Lago Paranoá.

Nossa lei se chama Paz.

Nossa bandeira se chama Amor.

Nosso hino é alento e acalanto.

Nosso corpo tem cicatrizes mas nossa alma é de festa.

Aqui é tacape na opressão, borduna no autoritarismo e zarabatana no fascismo.

Em nosso território, fazemos contas miçangas: eu + tu = nós. Nós + eles = aldeia local-global. Aqui a soma é sempre: sempre cabe mais um. Nossa equação, mais que dividir o bolo-de-rolo, multiplica o vinho, o café e o tacacá.

A coragem, rebeldia e luta por liberdade desde Zumbi, Calabar, Tiaraju, Anita Garibaldi, Prestes, Mariguella e Niemayer ainda reverberam em todos nós, por todos nós!

Aos forasteiros imantados pela magia daqui, nosso grito primal: bem-vindos!

 

Pluralidades da arte

Aqui, memória, tradição e folclore são arte vivaz na contemporaneidade.

No gesto espontâneo do poeta de Cordel, as entrelinhas de um tratado filosófico. No movimento circular da dançarina de Lundu, a lição do sentido da vida. No semblante do rosto do brincante de Boi Bumbá, a ideologia que contagia com magia.

A norma culta e a fala dita erudita, brindam abraçadas com os sotaques diversos e os falares populares dessa gente que tem o que dizer e sabe o que quer.

Toda filosofia estética cabe no olho que hoje sorriu ao avistar uma canoa no Rio Acre. Toda teoria poética cabe na voz do gaudério que entoa uma milonga na invernada. Toda ode antropológica cabe na dança do Xokleng que invoca seus ancestrais.

A arte visual pulsa em batimentos inefáveis: seja na ruptura disruptiva das cores de um cocar em Parintins, seja nas nuances frias de uma rede tecida manualmente em Fortaleza, ou ainda nas tonalidades quentes do bordado em um vestido da Oktoberfest.

Além da linda lenda: somos imersos em lendas regionais, contos curtos e causos tantos.

Yes, nós temos Carnaval. Aqui carnavalizamos a vida, invertemos os poderes instituídos e trocamos os papeis sociais. Sempre com ginga no pé, com ritmo na bateria e muita arte na fantasia.

 

Um espinho e muitas pétalas

Nesse lugar em que o Atlântico nos encontra, em que os ventos andinos nos alcançam, somos a herança das revoluções da América do Sol, do céu mais azul. Somos entretecidos em revoluções que formam e transformam.

Seguimos antropofágicos-antropomágicos. Aqui, ainda devora-se Sardinha, ao digerirmos sabores da terra e deglutirmos saberes do mundo. Sim: ainda bebemos cauim. Degusta-se axé de fala, graspa, garapa e chimarrão.

Nossa fé mais profunda, oblitera as sanhas oligarcas, exalta o sonho dos ribeirinhos. Antigos impérios patriarcais, clãs opressores e dinastias totalitárias aqui deram lugar a solidariedades comunitárias, canções conjuntas e partilhas do pão entre iguais.

Aqui, na vida ainda há desideratos: há sonho que desenha-se nas redes do pescador, há desejo no rasto da canoa, há mistério no tapete de estrelinhas alvacentas que o luar tece sobre a foz do Velho Chico.

Aqui o capitalismo foi devorado e regurgitado como pacto social.

Fora fardas! Fora fardos! Fora feudos! Fora fraturas de futuros!

Adeus tropas, patrulhas e pelotões! Bem-vindos saraus, tertúlias e folguedos!

 

No lado certo da história

Em nosso brasão brasiliaco, cabem o verde-amarelo, tanto quanto o vermelhusco coruscante, rubro pau-brasil, encarnado Brasil. É também, o fim do arco-íris. 

Aqui a (r)evolução já aconteceu. E, contamina, penetra, expande, pois a senha de nossa cidadania chama-se: afetividade!

A elite não é eleita: a política poética à ética pacífica, da verve artística ao idílio utópico.

O vizinho nos fortalece pois nossa rua é uma pequena pátria. Quem nos visita, em lume sublime ilumina-se.

Nosso estar no mundo contagia, sutilmente poliniza outras pólis, outros povos, país adentro, Brasil afora.


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