Confissões
dionisíacas na poética e política de Artur Gomes
Igor Fagundes *
Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2019, incorporando as ébrias forças de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa contemporaneidade que avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do mítico da palavra corpórea e originária. Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a da fanopeia, a da logopeia) o poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os tempos de seu ritmo venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se – com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de orixás em orgias com Ártemis e Hermes.
Que o veraz
poeta, para aquém do denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno,
para quem dos rótulos e taxonomias previstas pelas literárias teorias,
atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o
pó da historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo (tão dentro
quanto fora do chronos) na atualidade
incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e a Terra/Mãe/Terra
a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus
estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo
cronológico (“tempo de bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de
sua época e século (“esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara
do silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da Terra para fundar
o Aion sem fundo do
instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta citar, em
cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar
modernismos influentes, a geração beat,
a poesia pop, a tropicália...) para
entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até repetitivo elencar, neste
preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o efeito do esbarro nelas
todas, do encontro com elas, das tramas e transas com obras e corpos do passado
e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea como a dramaturgia de sua
errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os quais derramam sobre o copo do
real e da consciência alter-egos confessos e inventados – tudo o que for
líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza o poemário com o híbrido de
fogo fátuo e frios fatos.
Artur Gomes – assinatura por vir,
heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras não mais secretas, mas públicas,
ainda púbicas, aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a
passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística,
deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e
vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas. Tais intertextos
e intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra
na mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou
embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em
poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de
livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do
desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de
pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda
labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad infinitum as alteridades que servem
como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida,
fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma
conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra –
seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo
sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase: esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e
Afrodite atravessadas, fosse a sala do analista também um templo pagão ou uma
ilha de Lesbos, de modo que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate
uma Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias
e comungam com o jamais fixo e intransigente credo.
Esta, a
sacralização do profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto
humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais
de sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na recorrência da
palavra “vinho” no livro, a exemplo dos versos:
“aqui / a
poesia pulsa / na veia / no vinho”; “por vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na
boca”; “em nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do vinho
que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco / no ápice
sagrado / da su-real pornofonia”. A embriaguez dos significantes e dos
significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a de um “céu de
estanho” ou como em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias
bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes pedras facas de dois
gumes / nos parreirais depois da lua), ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética).Visualidade provocada, a saber, não só pelas
imagens significadas pelos significantes, mas visualidade ou imagem do próprio
significante, o qual, dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio
Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”, “eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta
“pornofonia” – é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma
“carNavalha”).
Não apenas o
corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de
Eros. É o poema mesmo que, em O poeta
enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a
cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros,
vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e
frequentes em Artur Gomes). Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a
coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por
entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa
poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma
erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que
equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a
sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a
dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a qual se exalta
mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a
que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a
degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:
o poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
com louvor profano
Nessa performance e performatividade lingual-linguística,
todo signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas
também entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a
babel das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o da “flór do lótus”
com a “flor do lácio”, o das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com a
“flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o da “antítese” com a “Antígona”.
Eis a língua física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo
pelo verbal trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou
sendo trocado por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua
roupa para ser outro: Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva,
Federika Bezerra, Cristina Bezerra etc. O poeta, analista translógico da
psique, troca com sua psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo,
elevando o caos para a troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos.
Do mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os
vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo
esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e, trocando com eles,
entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo poético de Clarice com
Baudelaire. Mais ainda: o corpo do poeta troca com o corpo do poema e,
consoante em “Poética”, a metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o
mesmo título, pois o poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o tema
“Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo diferente. A palavra
“outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste livro, e é nessa não indiferença ao
outro, que o poético se faz ético e político. E nessa política da e pela
diferença, a cidade do corpo se troca e vira o corpo da cidade. Assim, o poeta
é – quando e enquanto coisa.
No meio de tantas
referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de
Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello
d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo
Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur Gomes não
sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e
que se vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto coisa não deixa, na qualidade de título de livro,
de repercutir o Retrato do artista quando
coisa (de Barros) e o Retrato do
artista quando jovem (de Joyce). Do
mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro
Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a
reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a
assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur Gomes
nesta, quiçá, Poesia Oficina. A
relação gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza
faz de seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com
repercussões nitidamente políticas.
Se Pantanal é o corpo poético e o poema
experimental, de aparente falta de lógica, lembrando o discurso infantil, no
Manoel de Barros do Retrato do artista
quando coisa, a urbe é o corpo prenhe de sexualidade e sensualidade em
Artur Gomes, nos supostos ilogismos do discurso adulto que se vê fragmentado e
devorado por Eros e Thanatos, e no qual a relação
sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez,
as duas ao mesmo tempo). Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é
lamacenta, cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica
com (ou se troca por) suor e sêmen.
Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é a cama de Artur onde dormem,
acordam, sonham, gozam e ardem todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já
citados e dispostos nos lençóis, colchas e fronhas da página.
Por outro lado, temos na trajetória
literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur
Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente
escute a voz de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem
protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá
seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua
vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O
romance autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce),
personagem que vai aparecer novamente em Ulysses.
A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o
filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de
Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da
personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão
feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus
passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da
igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a
sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para
uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão.
Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona
definitivamente a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias
artísticas e estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.
Assim, Artur Gomes se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão
dionisíaca. Primeiro, fazendo suas Juras
Secretas, suas confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em
suma, suas sagaranagens (há algo de
Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa, arriscando-se a
abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se – avesso ao
dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja
Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur
Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em
segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode roubar do político o
vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe
dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga
por um poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe
os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo
o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
eu sou o que
invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
eu sou o que interpreta
representa
o que inventa
e desafora
o Anjo Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô
a Capitã do Mato
Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor
*Igor Fagundes é poeta, ensaísta, doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor, dentre outros, de pensamento dança (2018) e Poética na incorporação (2016).
Afrodite
para a nova Pimenta do
Reino
eu falo eu fauno eu fumo
na espuma dos mares
de Zeus ou Vulcano
nos cornos do americano
na pele clara da gema
nas brumas de Ipanema
ou nas Dunas do Barato
na era Atenas me disse
pra Hera nunca dissemos
em grego a deusa do amor
em romano
mamilo de Vênus
também a irmã de Helena
que a um outro rei Prometeu
provocando a ira em Menelau
quando soube que Páris sou Eu
Dioniso das festas de Baco
do vinho dos ritos das juras
Afrodite em mim criatura
Bacante que o cosmo me deu
a puta da ilha de Creta
mulher quando o vinho é na cama
a que sabe beber do que ama
sem pensar no que
Cronos secreta
mundo vasto
vão
rima e
Raimundo
ainda sem
solução
Zhô Bertholini
Dia D – DIA DRUMMOND 31 out.
2017
quando a luta
com palavras
é inglória onde
justiça não existe
num país entregue
aos
promotores da barbárie
as vezes me pergunto
as vezes me esclareço
a vida só tem fim
se
tem começo
as vezes me confundo
as vezes me aborreço
no paralelepípedo
me tropeço
por não ter outro endereço
Para Isadora Chiminazzo Predebon, parceira nas minhas investigações sobre psicologia para o meu trabalho com Teatro, sem o qual não existiriam esses personagens que povoam o meu imaginário.
E a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio.
A poesia pulsa
para Tanussi Cardoso
aqui
a poesia pulsa
na veia
no vinho
no peito
no pulso
na pele
nos nervos
nos músculos
nos ossos
posso falar o que sinto
posso sentir o que posso
aqui
a poesia pulsa
nas coisas
nos códigos
nos signos
os significantes
os significados
aqui
a poesia pulsa
na pele da minha blusa
na íris dos olhos da minha musa
toda vez que ela me usa
nas iguarias de Bento
quando trampo mais não troco
quando troco mas não trapo
nas pipas
nos vinhedos nos arcos
nas madrugadas dos bares
sampleando o bolero blues
rasgado num guardanapo
o poema pra Juliana
escrito na cama do quarto
no copo de vinho
na boca de Vênus
na bola da vez da sinuca
sangrada pelo meu taco
aqui
a poesia pulsa
nos cabelos brancos da barba
nas gargalhadas de Bacca
na divina língua de Baco
Acho que é tempo ainda
quando a vida não for embora
me leva Isadora
pode ser amanhã
ou mesmo agora
depois
do almoço um
fim da tarde
no por do sol no carrossel
nos vaga-lume ou quem sabe
um
girassol
entre
as paredes de pedras
cravadas
facas de dois gumes
nos parreirais depois da lua
olhando as águas que descem
cristalinas pelos nos riachos
se
o Rio Grande é tão frio
o de Janeiro é muito quente
Santa Teresa é lá em cima
mas Botafogo é cá embaixo
e
sabe baby, o que é que eu acho
se tá feio nosso Estado - baby
essa vida é
muito linda
eu
acho que ainda há tempo
eu acho que é tempo ainda
Afiando a CarNAvalha
cocada
agora
só se for de coco
paçoca de amendoim
cigarro só se for de palha
cacique só se for da mata
linguagem só tupiniquim
bala só se for de prata
água só se aguardente
tônica só se for com gim
estado só se for de surto
eleição só se for sem furto
brilho só no camarim
golaço só
se for de letra
Ronaldo só se for Werneck
malandro só se mandarim
política só se for decente
partido só sem presidente
governo eu que mando em mim
batismo só se for de pia
Congresso só de Poesia
Reinaldo pode ser Valinho
ainda melhor se for Jardim
Roberta
Agora só se for Cainelli
Bruna só
se for Polleto
Tecido
pode ser a própria pele
Que cobre
a nudez do esqueleto
Alice
para Alice Melo Monteiro
Gomes
A
música está no bico dos pássaros
na
pétala da lamparina
no
caracol dos teus cabelos
no
movimento dos músculos
no
m das tuas mãos
nada
mais sagrado
do
que teus olhos acesos
para me iluminar na escuridão
Atentado poético
a hipocrisia aqui é muita
liberdade muito pouca
com meus dentes língua/navalha
vou rasgar a tua roupa
para
esse poema bomba
explodir
na tua boca
EuGênio
eu sou menino eu sou menina
e não venham me dizer
que lança perfume é parafina
diversidade de gêneros
podes crer – não me alucina
eu nasci da minha mãe
que se chama Severina
lá dos sertões do nordeste
nor/destino nor/destina
como o sal do Maranhão
bumba-meu-boi não desafina
conterrâneo do Torquato
eu nasci em Teresina
EuGênio
Mallarmè
pudesse eu divagar pelos teus
poros
bosque do teu reino entre teus pelos
mergulhar contigo o mar da fonte
atravessar da carne a pele a ponte
penetrar no orgasmo dos teus selos.
pudesse eu cavalgar por tuas
crinas
no dorso cavalar onde deflora
deixando assim então de ser menina
e me tornar mulher por toda sina
no inferno céu da tua
hora
BolivariAndo
neste porto Cavajarro
por onde o vale Vierro
ela mastiga meus ponteiros
com o seu relógio de zinco
no dela são nove horas
no meu são nove e quarenta cinco
não temos horas marcadas
para o encontro do desejo
em nossas vidas – o despejo
em nossos corpos - desalinho
eu tenho fome de beijos
ela tem sede de vinho
Movimentos
das Arcádias trago
os seus da senhor Madona
Adonis dos meus instintos
Medusa Madalena Monalisa
os Mamilos de Vênus
as cochas de Afrodite
Zeus meu pai – Acredite
o desejo da boca é o beijo
em um tempo que não foi
em teu corpo minhas lavras
palavras de alguma ilha
na parábola de nós dois
O poema
Para
Mário de Andrade
In
memória na Paulicea Desvairada
“E se a gente se beijasse um vez só”
no corpo nu o amor é mais profundo
sai da superfície vai pro fundo
o poema vai se despir de tudo
dos compromissos de trabalho
dos temperos da cozinha
muda até seu cheiro quando está no ócio
se ouvir Zeca Baleiro
vai ficar logo teu sócio
se sangrar teu cio -
sexo também é um bom negócio
Federico
Baudelaire
Dani-se morreale
se ela me pisar nos calos
me cumer o fígado
me botar de quatro
assim como cavalo
galopar meus pelos
devorar as vértebras
Dani-se
se ela me vier de unhas
me lascar os dentes
até sangrar o sexo
me enfiar a faca
apunhalar meus olhos
perfurar meus dedos
Dani-se
se o amor for bruto
até mesmo sádico
neste instante lírico
se comédia ou trágico
quero estar no ato
e Dani-se o fato
deste sangue quente
em tua boca dos infernos
deixa queimar os ossos
e explodir os nossos
poemas físicos pós modernos
Dionisíaca
hoje é domingo
de Hera me vingo
com minha sarcástica ironia
fisto-me
de Dionísio
nessa festa pras Bacantes
me
consagro teu amante
pelos vinhedos de Baco
no ápice sagrado da
su-real pornofonia
o outubro
me deixou no tudo nada
a luz branca sem sono
em nossos corpos de abandono
ela
arquitetava uma nesga
entre as frestas da janela
luz do luar nos olhos dela
girassóis em desmantelos
por entre poros entre pelos
minhas unhas tuas costas
Amsterdã nos teus cabelos
o
que Van Gog me trazia
era branca noite de outono
que amanheceu sem ver o dia
nossos corpos estavam tomados
por vinho tinto e poesia
Fonética das cores
3 dentadas no pão e a faca suja de manteiga
entreguei-me ao desejo de olhar o corpo do poema nu ainda virgem deitado sobre
a grama no quintal do casario no cafezal rolava um
blues vestido de algodão branca flor entre as sílabas tônicas e a fonética das
cores entre o vão das coxas brancas de alfazema sopravam ventos de alecrim
e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas
nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra
tem seus olhos no brilho da escultura
confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem a cor da tua pele a carne sob os lençóis onde meus dedos
ainda não nasceram
Deus anda me pregando peças
num lance de dados mallarmaicos
comovido ainda te procuro em palavras aramaicas e
a pele dos meus olhos
anda
perdida em teu vestido
aqui signos
não casam com significados
cada um segue sua trilha
cada um segue seu atalho
eita
povo pacato pra caralho
assombro sobe em minha telha
com a língua/navalha carNAvalho
para
Rachell Rosa
Clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas
come
as Juras Secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora
Clarice
a mulher que come livros
Isadora a que devora
Zeus Me Disse
o poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
com
louvor profano
no
poema o corpo não tem panos
que lhe escondam a pele
é um peixe que flutua em águas calmas
um pássaro que atravessa nuvens cinzas
um barco em alto mar de tempestades
a
mulher do imaginário em fantasia
é o poeta que se transmuta em poesia
Ind/gesta
uma caneta pelo amor de deus
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno
vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a Lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais
nem aqui nem no inferno
Musicada por Luiz Ribeiro
Inventário
come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo
do que comer vento
tem
de todos os sabores
amargo meio/amargo
chocolate de
café
sabe como é
em meio a tanta crise
a gente inventa o vento que se quer
Tempo Poético
para
Isadora Chiminazzo Predebon
O tempo
é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in/cons/ciente
o
tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem
Caminho de Pedras
o cenário
Vale dos Vinhedos
o
tempo
guardo em segr
como uma Jura Secreta
na íris dos olhos dela
na face oculta da noite
na retidão clara do dia
como um concha na areia
o
tempo
mar
de espumas
sargaço algas noturnas
a carne do corpo também
o vinho do tempo na boca
e a língua dizendo amém
Todo Dia É Dia D
furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de Godart
inertes em películas de Truffaut
bebendo apocalipses de Fellini
em tropicâncer genocidas de terror
sangrai a tela realista dos
cinemas
na pele experimental do caos urbano
tragai
Dali pele entre/ossos
Glauber rugindo enTridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor
caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos
a desconfiguração do corpo
os estilhaços do corpo
estão espalhados
nas cidades
:
pernas aqui
braços ali
cabeças acolá
na total
desconfiguração
:
-
cabeça/tronco/membros
as cidades
estão entupidas
de fragmentos de populações
destroçadas em desespero
a crueldade é
tanta
que dificilmente em qualquer cidade
se encontra um ser humano por inteiro
língua
a minha língua
é safada
nua e crua
não gasta palavra a toa
não canta palavra gasta
nem é fado de Lisboa
é
blues rasgado
pedra de toque
samba rock
plug ligado
no navio ou na canoa
bebe do Rio
e de Sampa
nos Demônios da Garoa
fio desencapado
tensão eletriCidade
tesão canibalidade
na voracidade da pessoa
lavra da palavra quero
re-invento a palavra Cláudia
na lavra que ela mais gosta
pode ser que seja vento
jogo brisa tempestade
dama de espada do fogo
re-invento a palavra Lobo
muito mais que liberdade
amor desejo saudade
onde quer que lá esteja
a palavra que deseja
onde eu mais possa criar
re-invento a palavra pedra
Xangô Oxum na mesma água
se alimentando das algas
que re-inventamos no mar
mamãe coragem
numa canção do Lenine
o peixe está na rede
o mar está com sede
o rio agora chora
onde esta cidade pedra
veracidade medra
eu te esfinjo drama
onde a ferocidade Fedra
eu te desejo deda
eu te devoro dama
pensando a trama Torquato
eu disse mamãe coragem
a vida é Sagaranagem
Fulinaíma é viagem
te levo na minha bagagem
não chora mamãe não chora
Met/Áfora 2
não me verás lugar algum enquanto
os dentes não forem postos e na mesa tenha espaço para todos. esse país que
atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio na boca dos escravizados
eu que venho das profundezas desse tempo escuro onde as caras soterradas no
asfalto onde os homens de verde/oliva despejavam chumbo sobre nossas palavras.
não me verás lugar algum o rosto que em mim verás agora é uma máscara que o
tempo se encarregou de moldurar
sobre o pescoço.
por tanto tempo
por tanta escrita
por tanta carta
sem respostas
nossos moinhos de vento
muito além da mesa posta
ainda trago em mim
tuas mãos
tuas coxas
tuas costas
a tua língua
entre os dentes
em ex-camas que não tivemos
em madrugadas expostas
e tua fome era tanta
em tudo o que não fizemos
nesse teu corpo de santa
naquele tempo de bestas
na caretice de bostas
a primeira vez
foi um primeiro beijo então roubado
ali já ficou sacramentado em tropicália
o que iríamos desvendar
por entre cinzas nos currais
nas aldeias, ocas, nas taperas
por quantas Eras iríamos encontrar
agora como pa/lavro
outras amoras
plantei tuas sementes
no quintal da estação três cinco três
os frutos colherei junto ao teu nome
da tua carne comerei mais uma vez
No
Coração dos Boatos
para
Uilcon Pereira - in memória
Biútim Evaristim
Evristoa passava sem querer pelos telhados Assombradados in BraziLírica com seu minúsculo gravadorzinho de
bolso quando percebeu no Jaburu um vozerio estranho como um escárnio ao povo de
Bizâncio, o Vampiro das planilhas dialogava azedamente com o bandido das Neves,
combinando os pagamentos das operações o-cultas, obras invisíveis lá pelos
quebra mares do porto de Santos.
Depois de captar todas as falas, vozes, de mais alguns
fantasmas presentes no palácio, Biútim entregou seu gravadorzinho aos delegados
do presídio de Absinto, e como nunca teve a ilusão que o seu trabalho fosse
resultar em alguma coisa, sua gravação
foi arquivada, e o seu gravadorzinho foi queimado pelos Bispos/Pastores/Deputados/Senadores da Igreja Universal, para constatação da
invasão neo-pentecostal pelos telhados BraziLíricos, onde tudo termina na
avenida nos enredos
su-reais dos carnavais
Nu – Literalmente - NU
afio ainda mais
a palavra/faca
sílaba/estilete
pornofonia/gilete
poema/navalha
tonicidade/canivete
tudo arma branca
subversão bandida
malandragem
da mão esquerda e torta
para cortar o mofo que viceja
em cada voragem morta
vez em quando
re-Invento sagaranas
fulinaímicas/linguagem
toco fogo na mortalha
sem metáfora ou retreta
dispo as fardas/literagens
fico Nu ao pé da letra
O fauno e a flauta
para Daniela Pace pela imagem musa
o fauno lê Baudelaire
do outro lado da trama
enquanto dorme a donzela
com uma rosa entre as coxas
o fauno traça o poema
na geografia do corpo
atravessa o vértice do tempo
com o seu falo em chamas
por não ter nenhum juízo
e com sua flauta ele toca
pétalas por pétalas
na porta de entrada
no portal do paraíso
o lugar da memória
ou
metalírica antropofágica
em São Pedro de Alcântara
não foi apenas um nome
entre os casarões coloniais
do século dezenove
que movem o pulso no impulso
na
sala do bistrô
ela me matou a fome
feijão tropeiro no prato
no prato feijão tropeiro
a
língua no espírito santo
experimenta
a pimenta
pimenta
do espírito santo
na
língua novo tempero
mágica
metáfora fábula primeira
no pavio da lamparina
faíscas
claras na gema
entre os pelos daquela mina
o fogo o meta/poema
vai queimar a carne inteira
O nome da musa
no corpo da palavra
teu nome está cravado
nos dentes da memória
na
carne grafitei teus dias
porque vida
é qualquer hora
O poeta Enquanto Coisa
por um poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe
os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo
o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
o poeta enquanto coisa 1
bashô
um Tor Quato aqui
re-encarnou
todoa
viagem de volta
transpoema
que o vento não levou
tua lã
fosse meu linho
fosse Clarice
uma mulher aos trinta
em tudo que ainda sint(r)a
como um mar pulsando ostras
beijaria o sal nas tuas
coxas
entre deuses céus infernos
fosse sagrado – não profano
nossos desejos mais e-ternos
fosse nu – corpo sem panos
como o vento nos vinhedos
em teus cabelos – desalinhos
os teus poros nos
meus dedos
tua lã fosse meu linho
tua língua entre meus dentes
em nossas bocas tinto
– vinho
olho gótico TVendo
a cidade se concreta
a cidade se abstrata
o poeta então retrata
com um olho em quem te ama
o outro em quem mal trata
Brazílica
para Lília Diniz
goi áis cerrado bordado
vestido de coralina
as vezes me deixa encantado
outras vezes me alucina
me transforma em leopardo
nas garras dessa felina
piqui fruto do mato
olho de boi visgo de jaca
jaraguá jaquatirica
ceilândia olho de vaca
taguatinga em meu retrato
onça em mim significa
sabor de carne mordida
lambida até o caroço
na boca da bia morena
planaltina ou plano piloto
que mora na carne/poema
das minas do lago norte
na flor medula no osso
sem alarde euforia
alvorada ou alvoroço
carioca
baby
vamos passear
por São Conrado
pela orla de Ipanema
olhar os dois irmãos
a gente salta pra fora do poema
dá um beijo na Rocinha
e faz amor no Alemão
transa
o sol Copacabana
num
domingo da semana
depois
das Dunas do Barato
ouvindo
um disco da Gal
convida
Marisa Mym Mesma
para
as Pimentas do Reino
no
altar do Reino de Zeus
depois
uma noite na Lapa
como
sempre a cara a tapa
até
espantar fariseus
encontrar
no Amarelinho
poetas veraCidade
que
não matam em nome de Deus
O corpo da palavra corpo
o seu corpo/poema
pede-me silêncio
ou algazarra?
farra
de bocas pernas coxas
línguas e dedos
nos recantos mais profundos
por onde dorme o teu desejo?
carícias delicadas
pela nuca
em torno da orelha
lábios deslizando
ao redor do teu umbigo
o que o seu
corpo/poema
quer viver comigo?
o seu corpo/poema
no deserto das delícias
é escorpião ou percevejo?
é calmaria
ou tempestade
no alto mar da liberdade
pede-me noite ou claridade
ou
implora-me desesperadamente
os mais selvagens beijos?
fulinaimânica
a parede
é arame farpado
a carne presa
não é cavalo alado
nem asa
de anjo su-realista
a casa
sangra e Angra
era mar azul
sob céus de chumbo
mais ou menos
concretista
dobraduras de papel
não são miragens
os dedos ágeis
modelavam sombras
Angra dentro da bomba
na usina nuclear
eu quero
mais a carNAvalha
me encanta mais teus olhos
que o plano piloto de Brasília
o Palácio do Planalto o Alvorada
me encanta mais
as mãos da namorada
que a Bandeira do Brasil
o céu de anil a Tropicalha
quero muito mais a CarNAvalha
que a palavra açucarada
quero a palavra sal
o suor da carne bruta
a flor de lótus o cio da fruta
mesmo quando for somente espinho
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos
me encanta mais na lama o lírio
a Flor do Lácio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios
Para
Ferreira Gullar
in memória
“A Arte Existe Porque A Vida Não Basta”
“A Poesia Quando Chega Não Respeita Nada”
poesia minha viagem metafórica
figura de linguagem auto retrato
o fato que ficou na sola do meu sapato
das estradas do mar da maresia
imagem lírica voragem
na calmaria da tarde
Dentro Da Noite Veloz
ou Na Vertigem Do Dia
pedra do sossego
gosto desse sossego
mesmo quando é praia
e o mar se espraia na areia
urubus passeiam entre barcos
como fossem pássaros
não apenas aves de rapina
gosto desse sossego
nos olhos dessa menina
no branco da íris/retina
que ameniza os desenganos
mergulho o céu na boca do desejo
que se abre feito concha
peixe/espada então serei se ela
sereia
por entre o vão do mar das coxas
o marisco esperma/espuma
uma semente então semeia
poema concreto
para quem ainda pensa
poema coisa erótica pornográfica
objeto gráfico do desejo
sensual jura secreta
espinha dorsal da estrutura cósmica
costela extraída de Adão
para criação de Eva
ou sopro Divino para transformação
do barro em carne
a metralhadora cospe bala
na cruel realidade
da miséria mais concreta
antes que se assuste
com o mínimo reajuste
nas contas do teu salário
te digo nobre operário
3 podres poderes prestam serviços
a banqueiros empresários salafrários
de forma vil cruel - injusta
defendem sempre a própria causa
como
fosse justa causa
como fosse causa justa
poema/invenção
leia
com cuidado e agite o frasco antes de
abrir
Fulinaíma
Fulinaimagem
Fulinaimômetro
Fulinaímicos
Sagarânicas
Sagarínicos
conspiração
Fulinaimânica
para lavrar a Sagarana
em Diadorim Diadorana
n´alguma lavra Isadorânica
entre Glauco Matoso e Roberto Piva
nas Fulinaímicas SagaraNAgens
do Couro Cru na Carne Viva
Para Carolina Barbato
tua voz ecoa
marulha um mar
de um outro cais
e vens em ondas
solos de cristais
acordando algas
cavalos marinhos
peixes abissais
rouca elétrica
essa garganta lírica
de vocais intensos
quando teu ser eu penso
como um som atávico
de milhões de Eras
nas línguas da
história
que os meus ouvidos híbridos
ainda ouvem na
memória
Poética
2
o meu amor é um
relâmpago
um coice nas trovoadas
caldeirão de raios elétricos
em noites de Singapura
algumas noites é Ana
nas madrugadas é Vera
na cama somos Bacantes
mil giga bytes um tera
muito mais que tri amantes
no plug me acelera
arranca do chão os meus pés
me lança na atmosfera
ela - a louca de Espanha
Medusa da Inglaterra
meu corpo tua quimera
enterra suas sete cabeças
enquanto me diz - espera
me morde me lambe - me lanha
com suas unhas de Hera
Poética 3
fosse Alana
Clara Clarice Ana
Angélica Isadora Beatriz
a voz calada na fala
em tudo que não me disse
em tudo o que não me quis
fossem girassóis nos cabelos
o vinho num tal chafariz
suor escorrendo em teus pelos
na flor que Van Gog me diz
teus olhos cravados no espelho
o poema que ainda não fiz
Poética
4
cavalga cavala
com teu dorso no horizonte
ventania
as crinas soltas ao tempo
por onde voas cosmogônica
por onde velas calmaria
pássara de 7 patas
pisa teu corpo no vento
nas metáforas dalquimia
Vênus Eros na estrada
a velocidade do fogo
vestida nua in/plumas
felina aranha nas pedras
com suas entranhas de mar
com tuas línguas de raio
por essas tarde desmaio
flor - em teus cios
plantar
Poética 5
a
solidão extravasa
o silêncio
em altas doses de tensão
quando me calo
ou falo
entre sílabas
nas ente linhas
do poema
no teatro
ou no cinema
palavra/som
palavra/gesto
e o resto da metáfora
na mínima pausa quando só
me deito em folhas
de papel para
escrever
o
que agora re-invento
e
assim
esc(r)avo
e assim escrevo
com o de dentro
e o de fora
com o de fora
engenho dentro
Poética 6
teus olhos
velam mistérios
teus olhos
guardam segredos
um mar de verde/amarelo
azul de um tempo abstrato
tempo de chumbo tenho medo
branco na íris retina
teu agro negócio asiático
teus olhos
serpentes da china
assassinos daquela menina
com teu veneno enigmático
Poética
7
enquanto você pensa intensifico na voragem a vertigem que me
dá quando você não diz. o fio esticado entre um espaço e outro do corpo na
distância geográfica me faz pensar a estrada que me levará até onde ainda quero
estar.
enquanto você pensa deliro. piro. desfaço qualquer sentido
de razão que ainda poderia existir em alguma sã consciência. já pensei algumas
vezes um projeto de psicanálise popular – um divã em cada esquina – pode me
chamar de louco maluco pirado.
Clarice me ensinou a não ter limites de estados, ultrapassar
fronteiras da insensatez e deixar a razão para os sensatos
o que Isadora me diz
quando musa em meu poema
apenas lê em silêncio, muda
ou se transnuda em sua casa
e devora meus fonemas
como um pássaro cria asas
e sobrevoa minha carne
no litoral de Ipanema
Poética 9
no silêncio do quarto
beijo tua boca ainda suja
do vinho que sobrou
depois
da trama
o
relógio na parede marca
a
hora que entramos
na
cama do hotel
só cabem nossos corpos
dentro do poema
Afrodite
ainda tonta
sai da trama
e segue pro cinema
nem todo segredo é secreto
nem todo segredo é guardado
o corpo mesmo dentro dos panos
no espelho é revelado
o
amor mesmo quando profano
tem
muito mais de sagrado
Poética 11
quanto mais me fragmento
mais me multiplico
nos múltiplos sentidos
para alcançar-te pluma plena
no corpo da metáfora
onde meu corpo
é ágora
Nu teu colo
preso
toda carne queima em brasa
nesse poema aceso
Poética 12
o poeta enquanto coisa
desliga as luzes do quarto
deita no chão da sala
na fala dos seus guardados
a musa pelos telhados
voa em algum
balão
como fogos de artifícios
em noites de São João
Poética 13
o que tem essa mulher que me
delira
o que tem essa mulher que me deleita
o que tem essa mulher que me provoca
o que tem essa mulher que me estreita
o que tem essa mulher que me espreita
o que tem essa mulher que me
transporta
leoa na selva que me caça
ou uma grande mulher quando se toca
Poética 14
tua blusa de seda
entre meus dentes
o nó se desfez depois do vinho
sob
as folhas dos parreirais
vale - os vinhedos
quantas vezes Eros
eletrizou os nossos dedos?
Poética 15
antítese/antígona
ou seja lá que nome for
ou o que quer que seja
o preto no azul
o azul no preto
hipotenusa no cateto
cateto na hipotenusa
e os dedos da minha musa
sa(n)grado entre
meus dedos
Poética 16
Clarice
em tudo que ainda não disse
em tudo o que ainda disser
nas páginas de um livro branco
quando come
um chocolate
ou livro que ela quiser
quem sabe vento de maio
no ímã do para-raio
flores do mal desfolhasse
nas pétalas do bem-me-quer
no carnaval
quarta-feira
Clarice a porta/bandeira
do mestre/sala Federico Baudelaire
Poética 17
a chuva ácida desce entre os relâmpagos
rasteja um verme sobre o chão de fósseis
os faróis do caos me anunciando tempos
onde os templos corroídos se desabam
sob os céus cinzentos barcos movimentos
não encontram cais nesse mar de Eras
para o nunca mais
Poética 18
para
Jiddu Saldanha e Tchello d´Barros
quanto vale a carne
o verbo
a mais valia
?
extravasa
a purpurina
o
carnaval a carNAvalha
tudo
que apenas valha
o
confete
lança perfume serpentina
tudo vale a pena
quando a carne não é pequena
eu sou a língua da faca
eu sou o gumes da pedra
eu sou o filho da puta
Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
Iemanjá que me resguarda
Xangô é quem me guia
sou o diabo GiraMundo
por
justiça e poesia
Poética 20
sagaranicamente
eu te provoco
toco teu corpo
com meus dedos
mordo tua carne
com meus dentes
sagarinicamente
com meus olhos de lince
poeta é o quanto devoro
e oro para São Jorge
em seu cavalo Andaluz
enquanto na vitrola rola um reggae
e nos lençóis da cama rasgo um blues
Poética 21
ela me espora
explora o corpo nu
agora e sempre
lambe a pele das palavras
lavras
do meu ser em pelo
em Arcozelo
vi teu olho azul
de mar
oceano entrando
gasômetro
cais do porto
no meu corpo dentro
todo barco em movimento
o fato
que descortina
a sina
de amar-te em parte
pela arte
de saber-te musa
que me usa
em febre
pele músculos pela noite
nossa
o que quer que eu possa
quando o corpo clama
toda água ou sangue
pelo sal do mangue
mesmo em santa ceia
quando a carne chama
tudo está na veia
Poética 22
não que eu não queira o que pensa
do que falo - no tempo da memória
agora o que me chegou veio no cosmo
micro processador de vento
creio - não invento
agora o que me fala no meu
diafragma
o magma desse solo tem fermento
não como do engenho da rainha
nem piso em outro solo nesse chão
na roda do tempo - cata-vento
do trigo da farinha ainda é massa pro
meu pão
Poética 23
para
Gisele Canela
Gisele com seu coelho no colo
escrevi este poema solo
comendo uma tarde de música
meu olho em teus lábios na lírica
a língua no paladar Dédala um
bebi dois copos de rum
falamos de deuses e mares
em códigos e signos estrelares
em verdes folhas de Oxossi
entregue-me aos desígnios de Ogum
para Lucia Muniz de Sousa
naquela manhã de sol em Ubatuba
lambi o ácido que caiu depois da chuva
cheirei resíduos da resina em Caraguá
e a
toxina que entranhou naquela uva
caiu da lágrima que bebi do teu olhar
para Salgado
Maranhão
a cor da tua palavra me conforta
porta que se abre pra beleza absoluta
a vida que tivemos na matéria bruta
a sorte de nascer dentro do norte
na felina
selvageria da pantera
o
sal que temperou as nossas eras
na
pele do tempero ruptura em cada corte
e
ao mesmo tempo é voz que predestina
que o
poeta não vai morrer antes da
morte
Poética 26
viajo para muito além do corpo
onde habito no buraco fundo
dos sentidos abstratos
no abstrato um Samurai
onde o concreto nem de longe
significa o quântico
onde o amor ainda atrai
Poética 27
para Ronaldo Werneck
foto grafias
foto gramas
pomba rio
pomba minas
rio prece
rio drama
minas tomba
esquadro poema pátrio
partido país penetrado
por quem descobriu a pólvora
pavio explodindo em chamas
paiol as colchas das camas
de um país esfarrapado
Poética 28
funk dance
funk
para
Sebasrtião Nunes
a noite inteira invento Joplin na fagulha
jorrando Cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
Fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.
rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.
quando ela canta Eleonora de Lennon
Lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e Federika ensaia o passo que aprendeu com Mallarmè
punkrEreção pancada
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.
descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.
antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!
Poética 29
aqui fisiologia não rola
nem coca
nem cola
nem bala
nem bola
não vivo de fantasia
o que rola aqui é poesia
Poética 30
Irina quem diria
a sua pele.grafia
em minha íris retina
come
algas cristalinas
no brumal da maresia
no mar de Amaralina
em Salvador da Bahia
Poética 31
delírio pouco é bobagem
assim como fantasia
é louca SagaraNAgem
no carnaval da orgia
Dentro da Noite Veloz
ou na Vertigem do Dia
a luz do sol sobre nós
ondas marés maresia
o corpo - a
própria linguagem
no mar da antropofagia
Poética 32
BraXília
para Nicholas Behr e Noélia Ribeiro
como pode ser assim
tão enquadrada
eixo por eixo
quadra a quadra
com as linhas abstratas
na argamassa do concreto
como pode ser também
tão feminina
mesmo não sendo mais menina
musa assim por tantos anos
na arquitetura se completa
e continua, nunca finda
no imaginário
do poeta
Um
possível encontro de Clarice Lispector e Federico Baudelaire
Federico - come
vento menina come vento. não há mais metafísica no mundo do que comer vento
Clarice
-
prefiro chocolate
Federico - mas
isso aí é um livro
Clarice
-
não faz mal, é como se fosse
Federico - como
se fosse é muito vago
Clarice
-
pode ser vago pra você mas para mim não é
Federico - você
é muito estranha
Clarice
-
estranha por quê?
Federico
-
parece até que come livros!
Clarice - e o
quê você tem com isso? te incomoda?
Federico -
calma, não precisar s irritar!
Clarice
-
mas quem disse que estou irritada?
Federico - do
jeito que você fala!
Clarice
-
e você queria que eu falasse como?
Federico -
normal
Clarice - mas
eu falo normal como eu falo esse é o meu jeito normal de falar. Se não está gostando dá licença, e para de
fazer perguntas.
Federico -
grossa!
Clarice - não
gosto de muitas perguntas. sou assim mesmo
Federico
-
mas não precisa xingar!
Clarice - e
quem foi que xingou?
Federico - se
não xingou foi quase
Clarice - me
deixa em paz. que eu quero terminar de comer meu livro
Federico - é
doida, comer seu livro?
Clarice
-
modo de dizer. já te disse sou assim mesmo
Federico -
assim mesmo como?
Clarice
-
gosto de comer livros, romances, ficção, principalmente poesia
Federico -
quero dizer que ainda arde tua manhã em minha tarde
Clarice - nem
vem que não tem
Federico - nem
tem o quê?
Clarice - essa
cantada barata
Federico - tua
noite no meu dia
Clarice - vai insistir?
Federico - tudo em nós que já foi feito com prazer
ainda faria
Clarice - o
que nós já fizemos? tá doido?
Federico -
quero dizer que ainda é cedo ainda tenho um samba/enredo
Clarice
-
fique sabendo que prá mim é tarde
Federico
-
tudo em nós é carnaval é só vestir a fantasia
Clarice
-
detesto carnaval
Federico -
quero ser teu mestre sala e você porta/bandeira. quando chegar a quarta-feira a
gente inventa outra folia
Clarice - você
quer fazer o favor de me deixar de comer meu livro
Federico
-
vai me dizer que não gostou?
Clarice
-
detestei. cantada barata igual a essa eu já ouvi de um monte
Federico -
duvido!
Clarice -
então fica aí com a sua dúvida por quê quanto a isso eu não tenho nenhuma. e me
dá licença que eu vou terminar de comer meu livro
Federico – come chocolate menina come chocolate não há mais metafísica no mundo do que comer chocolate
agora que essa Paulista
dorme em minha cama de ferro
mordendo meu calcanhar
com suas unhas de concreto
dou um tapa na Angélica
ouço Tom Zé dentro do carro
tiro um sarro na Augusta
nesta noite tropicana
em carNAvalha antecipada
para mim o que é que custa
beber da Lira Paulistana
ou devorar a Paulicea
Desvairada?
não tenho o que dizer
de quem não diz
amor uma palavra gasta
pra
ser feliz
preciso
muito pouco
e
que assim seja
uma
cerveja
re-ler poeta louco
já
me basta
Poética 36
naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
dos teus olhos raros
onde o poema tece
em teus seios claros
o
amor bem vindo
à
flor da pele lumiar
e a
correnteza tudo leva
o
sal na pele tudo lava
se
a carga pesa
o
banho descarrega
na gira de Ogum à Beira-Mar
Poética 37
fosse o amor não apenas
essa faca de dois gumes
carnavalha vaga-lumes
beijo de uma deusa morta
não poema em linha reta
apontando a linha torta
fosse o amor não apenas
esse poema/punho
ereto
numa estrada semi/morta
não seria eu poeta louc0
a destilar baba saliva
onde o absinto é muito pouco
para a carne crua sempre viva
que se esconde atrás da
porta
Poética 38
enquanto escavo a seiva
entre o vão das suas coxas
para desfrutar do teu cio
e santificar teu ócio
a
selva amazônica perde
mais 200 mil hectares de mata virgem
para as moto-serras assassinas
desse venal agro-negócio
a metafísica da metáfora
está entre dois corpos
que se tocam na distância
e vão ficando
como num encontro corpo a corpo
mesmo num mesmo lugar
os dois corpos não estando
este poema te segue
te vigia
te espreita
em cada palavra
cada letra
cada sílaba
o fonema a metáfora
percorrem a pele do teu corpo
como fossem minhas mãos
boca dedos língua unhas
e te entregas ao poema
em santíssima comunhão
porque estás já dentro dele
sem ter como
dizer não
Poética 41
a menina vestida de outubro
se espantou com a minha idade
os homens velhos da sua cidade
dormem cedo com medo de poesia
nunca viram os Girassóis
de Van Gog
nunca ouviram Luís Melodia
nem sabem que Todo Dia É Dia D
e Poesia É Todo Dia
enquanto coloco este poema
em teu e-mail por inteiro
o congresso nacional
arquiteta mais uma conspiração
contra o povo brasileiro
a
percepção acho que é um dom uma descoberta um pássaro que pousa em nossa cabeça
e nos atira aos fios elétricos do corpo liberdade vem de dentro do motor dos
músculos, os ponteiros que só se movem quando querem o repouso absoluto é uma
forma de silêncio não vejo muita graça em ser sozinho solidão as vezes faz bem, noutras assusta, mas
sou tenho um amor que ainda não me diz abertamente do diamante que mora dentro
dele mas toco a música dela tem Itália e palavrões as vezes quando me pergunto
onde vou nem sempre tem resposta aliás respostas é o que menos tenho encontrado
para as 25 mil perguntas paradas no ar o rascunho dos meus primeiros dias ficou
esquecido numa tipografia do tempo emoldurado na tinta que já mudou de cor
Poética 44
na pedra do sossego
eu me abstenho
na pedra do sossego
eu me abstrato
na
argamassa dos teus olhos
me preservo
na
pele dos teus dedos
meu
barato
nos
mamilos dos teus seios
me concreto
no
cio do teu corpo
eu me retrato
a tessitura da palavra perda
me provoca sobressalto
atiro a pele para o alto
e salto para o abismo do poema
Poética
46
o significado do signo
é como um cisne deslizando ao largo
e não voou
no lago do Ballet
onde a Bailarina flutuou
para
Ana Cristina César
in memória
ela me provoca sobressaltos
com os nervos pulsando
dentro dela
põe os seus sapatos altos
e salta da soleira da janela
Poética
48
em tudo que Alana não disse
teus lábios molhados
talvez só quisessem
a língua lambendo Clarice
na hora do amor se fizesse
um livro com hora marcada
no instante que ela quiser
na ora H de Clarice
em Ana nascendo a mulher
quando
escrevo esse teu nome
na
carne do corpo/livro
a alma dança bailarina
leio pele poros pelos
acesos
pavios lamparinas
nos litorais dos espartilhos
pelo mar dos teus mamilos
fosse uma deusa de Vênus
ou apenas Vênus de Milos
e eu o Zeus entre teus meios
sensatez não tem sentido
quando o mar beija teus seios
salivo sal
nos teus gemidos
Poética 50
sigo a trilha
traço o trilho
a língua tralha
quando um troço
no tropeço
dá na telha
a saudade então me trampa
se ali
então ela me trapa
no meio do caminho de Manhuassu
em São Sebastião do
Sacramento,
n´alguma cruz meu juramento
na casinha abandonada
dos alcoólicos anônimos
o amor foi quase um trampo
o amor foi quase um nada
não foi pedra de Drummond
mas ficou me perseguindo
na retina fatigada
a imagem da menina
com uma câmera fotográfica
na aurora boreal
no furor do amanhecer
quando o sol rasgou manhã
como uma raio de Yansã
desvirginando um outro ser
Poética 51
para
Silvia Helena Passarelli
a estrutura do poema
tem o tamanho da tela
no lado esquerdo da parede
da sala do apartamento
formando 7 elementos
com palavras movimentos
na porta do elevador
na espessura da tinta
na tessitura da cor
no som que vem da cozinha
e se espalha no corredor
a estrutura do poema
está na gravura do livro
que fala em 7 cidades
onde uma é veracidade
seja a cidade onde
fica
seja a cidade Benfica
seja a cidade onde for
Poética 52
tempo
de silêncio
tempo bom
ouve-se o íntimo do som
um peixe mergulha
um outro nada
como não tenho
um outro
nada a te oferecer
te ofereço flor de cactos
flor
delírios
flor
de lótus
ou mesmo sexo
sendo flor ou faca fosse
os
poemas ácidos
em meus nervos óxidos
te ofereço tudo
sem nenhum apego
minhas arte/manhas
meu desassossego
Poética 54
o
silêncio é uma arma poderosa
quando não sabemos se o inimigo
vai
nos atacar com poesia
ou se
defender com prosa
Poética
55
aqui nesse Puerto Viejo
Bolívia em tudo que
vejo
teus olhos me vem como feixes
teus olhos fachos de luz
faróis – no desejo concreto
sinais – nesse deserto de gente
secreto em tudo que sinto
sinto muito – e também sente
Poética 56
paixão é quando
linguagem de cinema
corta o verso pelo avesso
e a cena segue em outra dimensão
sem seta rumo sem endereço
como se a nova meta
enlouquecesse o coração
sem meio fim ou começo
Poética
57
sinto tudo de você -
me vem
sinto tudo de você meu bem
sinto tudo de você que nem
meus zóios tristes no
trem
nos trilhos por onde vais
por Pero Vaz e
Caminhas
por um Brasil do nunca mais
Poética 58
o poema é um
silêncio dentro de um copo vazio de gin um beijo sujo de asfalto bêbado num
boteco em Botafogo olhando o Pão de Açúcar como um Cristo Redentor do amor não consumado.
Stela ainda passeia direto na veia o mar revolto em São
Conrado o sangue da curuminha no Hotel Nacional e a vida se esvai na Rocinha
nessa cidade partida no olho do Corcovado desfolhando as flores do mal
Poética 59
Elis
tem o sal do mar
na língua - e me lança
ondas num lance de lamber
meu cais - me atira
sobre as vagas
quando estou em calmas
porque sabes que me tens
nos temporais
Poética 60
para
Paulo Sabino e Marisa Vieira
preciso atravessar
o impreciso
no branco do papel
quando
pressinto
a
lentidão de alguma lesma
no Absinto
de Mym Mesma
Federika Lispector
Poética Encarnada
o serTão de José Lírio – Lirinha
é a lira do delírio
no sol dos cinco sentidos
no som que vem pros ouvidos
até como está vestido
com tua capa de ímã
com o teu salto de rã
e esta loucura santa
confesso ser minha irmã
como um deus e um diabo
num corpo santo encarnado
quase um anjo encapetado
no altar da missa pagã
no palco a zoeira é tanta
desse anjo endiabrado
que o chão pro céu se alevanta
quando o som lhe sai da garganta
e o cordel – é fogo encantado
no
Vale dos vinhedos
a boca com gosto de repolho roxo
salada de pimentão vermelho
beterraba - codorna temperada
com os vinhos das outroras
para o churrasco das Colônias
bem na Quinta das Senhoras
com legumes
e frutas do quintal
colhidas
pelas Nonas antes do vendaval
as falas sobressaltas falas
vozes escancaradas sobre as mesas
a brasa da pimenta é viva
quase tudo de bom vem das surpresas
o sabor da uva o agridoce das pitangas
no licor curtido
das amoras
como o fogo dessa flor nativa
é o beijo que me deste agora
Poética muito prosa
a paisagem atrás da praia é
abstrata quase oculta invisível a mulher que escondeu o sol dentro das ondas e
recolheu os peixes por entre as coxas depois de beijar espumas. pela areia passeava
as 3 da tarde depois da Oficina Cine Poesia na Pedra do Arpoador.
Federika recolheu as ovas de
namorados espalhadas nas encostas agradeceu aos pescadores do Posto 6
mergulhou as iguarias numa sacola de
plástico seguiu para casa feliz pensando o banquete de omelete para comer depois da noite nos lençóis
Poética Plural
quem quiser me usar me use
na escrita na gramática no poema
poesia como quem transa no cinema
substantivo para ser usado
com ou sem os seus significados
códigos códices signos não tem dono
quando
acordo já perdi o sono
e quem sabe inventar inventa
e aí é gol de placa gol de letra
não tenho treta em serTão lamb(usado)
nem fico triste se aumentar a fama
de começar no papel e terminar na cama
Poética
Amar/a/Lírica
bebo teus olhos
dentro da noite escura
de onde vens criatura
que me consomes na fala
quando me olhas se cala
no seu profundo pensar
mergulho no teu silêncio
pelos mistérios do cio
pelos segredos do ar
o que me trazes do rio
o que me teces no fio
o que me levas para o mar
a flecha de São Sebastião
como Ogum de pênis/faca
perfura o corpo da Glória
das entranhas ao coração
do Catete ao Largo do Machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha Aldeia CariOca
sem nenhuma palavra Bíblica
e muito menos Avária
orgasmo é falo no centro
lá dentro da Candelária
Repressão
dentro do arame farpado
esse poema foi entrado
para nunca mais sair
sabre que
sangra
não tenho nada contra
muito menos a favor
não sou do tipo isso e aquilo
tenho um kilo de farinha
dentro da caixa de isopor
a latinha sei o quanto custa
e pago o preço
pra beber por onde esteja
vinho conhac cerveja
no meu bolo de cereja
só não cabe quem não for
não sou do tipo
sangue de porco no chouriço
fulinaimânico mestiço
você sabe o que é isso?
entrar pela porta de serviço
pela pele da minha cor ?
você não sabe quanto custa
o preço da minha ira
o custo do meu amor
sou eu quem sabe onde o sabre
sangra sem dó - a minha dor
santíssima trindade
brincando
de Zeus e Vênus
plantei uma conchinha do mar no teu umbigo
- mora comigo - o amor nunca é de menos
transcende o sol - e sua luz
atravessa o litoral da santa cruz
Afrodite me atirou na tempestade
quando subi a Pedra do Arpoador
para o salto no abismo
a flor de cactos feriu meus olhos
ali sangrei – matei a morte
a santíssima trindade me deu o norte
para ressuscitar de novo aqui.
sarcasmo
o olho clínico não responde
fechou o livro na vigésima
sétima página
eu
fico sem saber o que pensa
da minha crença no naturalismo
das coisas que ainda não tem nome
se
a fome é meta física
ou a meta é sobrenatural
se
tesão é força quântica
reação
química ou apenas
a parte mais intensa
de uma transa casual
subVersão
poÉtica
duvido do poeta
que nunca amolou a língua
afiou a faca
atirou a pedra
saltou da ponte
para o outro lado da linguagem
duvido do poeta
que nunca escreveu sagaraNAgem
explodiu a fala
saltou para dentro do abismo
de qualquer palavra
no poço fundo da voragem
duvido do poeta
que nunca pensou fulinaImagem
não sabe o que é Drummundo
nem mergulhou fundo
em corpoema
nunca quebrou a meta
na carne da metáfora
duvido do poeta
que nunca arrombou porta
nem assaltou janela
quem não entortou a linha reta
não sabe quando Beta é Alpha
não sabe quando Alpha é Beta
poeta que é poeta
não descreve situações
corta a verborragia dos versinhos
e só escreve subVersões
agora que pairas sobre o tempo
quando o tempo ainda é tempo
ou quando invento no meu corpo
este teu tempo de existir
e re-invento o que ainda não existe
ou
quando o tempo já se foi
sem sequer se existisse
ou se não visses tudo em ti
se já passou
agora mãe
é quando terra ainda me lembro
de algum tempo
na ferrugem que ficou
roendo os ossos dos meus dedos
não tenhas medo
de dizer que ainda é cedo
se alguma lágrima
sai do tempo que brotou
teu nome
tem uma flor em teu nome
que é mar de pele osso abissal
tua alma quero conhecer
para teu corpo/livro escrever
em cada página
branca que encontrar
água de não beber
pétala de não tocar
entre os mariscos da carne
e os sentidos das conchas
minhas palavras tecidas
em poros de respirar
como dois dentes caninos
mordendo o que é feminino
em todo pulsar dos teus meios
tenho uma flor em teus seios
que já me perfuma a pele
de tanto sonhar teu nome
de tanto teu nome sonhar
Tempestade/Temporais
Eu
sou avesso
atravesso
a cidade
com
o que me interessa
as
vezes sou sossego
outras vezes tenho pressa
não
procuro o que não quero
me
abstenho no que faço
me abstrato quando posso
me concreto em cada passo
o
compasso é argamassa
o absinto quando traço
uma
linha nunca reta
da palavra em descompasso
se
sou torto não importa
em
cada porta risco um ponto
pra
revelar os meus destroços
no
alfabeto do desterro
a
carnadura dos meus ossos
ma cum ba
abará ebó ubu axé
babá
na carnavalha dos tambores
o corpo incorpora o tempo/dança
a língua de Exu
lambe as coxas de Yansã/menina
os pelos/púbis Ossanha
embaixo dos tecidos
palavra líquida lavra pelas pernas
Eros eletrizando peles bocas pelos
gritos enquanto o
rito segue
seus ancestrais preceitos
ma cum ba no meu peito
Xangô meu feiticeiro
Oxum encanto
tantas línguas
cantam pra tirar
quebrando
de algum corpo/santo
quando Ogum vem pro terreiro
Anjo Torto
eu sou o que invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
eu sou o que interpreta
representa
o que inventa
e desafora
o Anjo Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô
a Capitã do Mato Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor
Metáfora
meta
dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina
com facho de fogo na retina
pra clarear o fosso escuro
A barra
em 1972
nas dunas do barato
em Ipanema
escrevi este poema
ouvindo Gal a todo Vapor
o amor sobreviveu
debaixo da porrada
a barra era pesada
nuvens eram chumbo
bala na cara
de quem afrontasse o milico
patas de cavalos na carne
de quem ousasse dar o grito
sobrevivi em couro cru &
carne viva
e minha voz índia nativa
é muito pouca para cantar
o que restou
BraZilianas
2019
não sei se
piso terra firme
ou me afogo em pantanais
nem sei se lanço meu barco na tormenta
ou se me atiro contra o cais
no Mar de Lama inverteu-se a hierarquia
trepar na goiabeira é muito pouco
culpa do tao do Satanás
e no brasil jesus cristo é muito louco
e um capitão manda agora em generais
Psicótica
– 67
não frequento academias
físicas – e muito menos literárias
minha palavra avária
está à beira do precipício
nem sei porque não continuei
internado no hospício
onde choques elétricos aconteciam as tantas
no manicômio Henrique Roxo
na cidade de Campos dos Goytacazes
onde a medicina psiquiátrica
era exercida por capatazes de médicos açougueiros
e um Capixaba de nome Vespasiano
não resistiu ao surto
explodiu a cabeça contra a parede
e nenhum jornal da cidade
noticiou o suicídio
que eu trago na lembrança
como dentes
encravados na memória
Pornofônica
cristina bezerra
tua flor do lácio
me provoca entranhas
quando pisas o terreiro
da Mocidade Independente
de Padré Olivácio
provoca entre meus dentes
o que em cantos
sobrevivo
na Escola de Samba O-Culta
do Inconsciente Coletivo
Meta/fórica
ouço a música
nesse disco estrangeiro
e a musa tem o nome: Guanabara
no silêncio ela ri da nossa cara
a flor do mangue agora mora
onde seu leito jorra lama
por sua boca desdentada
peixe podre explode Angra
em meu poema CarNAvalha
naturalismo onde supunha
sal da terra no esgoto
eco sistema não interessa
ao senhor do Mato Grosso
agro-negócio é matadouro
soja pasto para os bois
o simbolismo da escrita é só metáfora
a concretude o modernismo vem depois
Depoimento
do autor
Em alguns poemas aqui impressos re-visito alguns livros anteriores como Suor & Cio 1985, Couro Cru & Carne Viva 1987 e principalmente faço ainda uma re-visitação de linguagem em BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas - Alpharrabio Edições, 2000 - em homenagem a minha queridíssima amiga poeta Dalila Teles Veras.
De 1993 a 1997, o Alpharrabio
Livraria e Espaço Cultural foi para mim
uma espécie de laboratório, onde desenvolvi escritas, exposições plásticas
sonoras visuais, Oficinas de Criação e Interpretação
de poéticas, verbais e teatrais.
O POETA ENQUANTO COISA: “NO COURO CRU DA CARNE VIVA” –LNGUAGEM CORPO
Ao ler
O Poeta Enquanto Coisa, de Artur Gomes, já na apresentação do poeta, 64, suas palavras sugerem que o poeta é
sujeito e objeto. Perguntei-me: “Mas como será isso? Sujeito e Objeto?” Sim!
Só um punho lírico muito forte, porém
despojado, - “no couro cru da carne viva”. (64)
pode com “esporas” ”sangrar corpos” e “abrir cadafalsos”. Trata-se de uma
poemática em que a linguagem é o corpo. A expressão que se depreende é o
estrondo acompanhado do gozo, la petite
mort.
Entretanto a Musa eterna dos estados de
surtos e de sítio e de cio do sujeito (quem sabe do poeta ele mesmo?) nos diz
em alto tom: é a Terra/Mãe/Terra. Por este viés confesso do poeta, entendo que
o salto lírico desta poética ou destes versos “de surtos, de sítio e de cio” é,
por excelência, telúrico. Assim como a vida é telúrica, o amanhã também o é,
assim como o são os lugares geográficos presentes em muitos versos e que ilustram
a teleologia dos poemas por toda a obra. Explico: há em toda O Poeta enquanto Coisa, obra de fôlego e
tanto, uma doutrina arturiana que identifica a presença de uma metalírica em
riste, com fins e objetivos metalinguísticos ou ainda criando situações que
deslocam a natureza e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio
explicativo fundamental na organização e nas transformações de todos os seres
da realidade, uma espécie de finalismo.
Estes poemas são inerentes a um possível
aristotelismo de hoje e seus desdobramentos, pois se fundamentam na ideia de
que tanto os múltiplos seres existentes, quanto o universo como um todo
direcionam-se, em última instância, a uma finalidade que, por transcender a
realidade material, é inalcançável de maneira plena ou permanente.
Hegel também tratou disso em seus
epígonos, segundo os quais o processo histórico da humanidade assim como o
movimento de cada realidade particular, são explicáveis como um trajeto em
direção a uma finalidade que, em última instância, tem como objetivo uma
realização plena e exequível do espírito humano: em Gomes, inquieto, rebelde,
sagaz, verbal, metafórico, carnal, cuja realização dá-se no sobressalto, no
grito, na dicção da audácia, tanto na poíesis
quanto na techné. Sujeito e Objeto
reencontram-se no ritmo da techné:
“eu acho que é tempo ainda”. Aí se igualam Sujeito e Objeto.
Oswald de Andrade experimentou um tanto
disso na sua Poesia Pau-Brasil do 1º.
Modernismo. Mário de Andrade em Paulicéia
Desvairada. Com outro fluxo nos poemas, obviamente. Artur Gomes reverbera
alguns momentos do nosso 1º. Modernismo, sem dúvida, trazendo-o ao picadeiro
contemporâneo:
Cocada agora
só se for de
coco
paçoca de amendoim
cigarro só se for de palha
cacique só se for da mata
linguagem só tupiniquim
bala só se for de prata
água só se for aguardente
tônica só se for com gim
estado só se for de surto
eleição só se for sem furto
brilho só no camarim
A existência de uma minemósine (grego
Mνημοσύνη), titânide, filha de Urano
e Gaia, deusa que personificava a memória está em
nas pipas nos arcos
nas madrugadas dos bares
descritas num guardanapo
no copo de vinho
na boca de Vênus
na bola da vez da sinuca
sangrada pelo meu taco
pois,
aqui
a poesia pulsa
nos cabelos brancos da barba
na divina língua de Baco.
Reiteram-se, assim, os motivos (leit motiv): em Poética 31, “delírio pouco é bobagem”/ “assim como fantasia”/ “é
louca SagaraNAgem”/”no carnaval Real da Orgia””/”Dentro da Noite Veloz”/ “ou na
Vertigem do Dia”/ “a luz do sol sobre nós”/”onde marés maresia? O corpo – a
própria linguagem”/ no mar da antropofagia”.
O delírio teatral, a física quântica leve, o
simulacro pós-moderno, o deboche e a pilhéria percorrem, só para ilustrar a
recorrência dos recursos, Poética 33
– Em/Cena Um possível encontro de
Clarice Lispector e Federico Baudelaire. O diálogo com Oswald de Andrade
retorna em Poética 34. Carregada de
muito humor. Grande arma!
Em Poética 38,
encontram-se o erótico e o satírico, grande sacação (Ah, os sátiros!), diga-se
de passagem, um encontro inusitado, de verve crítica e geografia erótica, uma
sugestão para um Kama Sutra tupiniquim, por que não. Grande momento do livro!
Enquanto escavo a seiva
Entre o
vão das suas coxas
Para
desfrutar teu cio
E
santificar teu ócio
A selva
amazônica perde
Mais 200
mil hectares de mata virgem
Para as
moto-serras assassinas
Desse
venal agro-negócio.
Sendo um flâneur
do século XXI, Artur Gomes, caminha, antes de tudo, como um detetive, no
sentido que lhe deu Walter Benjamin: detecta um fato, poetiza-o e, às vezes,
deforma-o. De que forma? Investigando-o, pilhando-o, desmascarando suas
circunstâncias. Venalmente.
Dr. Deneval
Siqueira de Azevedo Filho Teoria e História Literária (Unicamp/Ufes) Letras,
Artes e Culturas (Fairfield University, CT, USA)
Texto em homenagem ao Poeta Artur Gomes – Na 11ª Mesa-redonda Poesia Visual Contemporânea, no CCJF Cinelândia – Rio de Janeiro
por Paulo Sabino
Ao fim de Memória de Fogo, peça teatral em temporada neste
Centro Cultural até domingo passado, Sady Bianchin, ator, diretor, roteirista e
um dos responsáveis pelo texto do espetáculo, depois de fazer vários
agradecimentos, fez um que, segundo ele, era o mais importante de ser feito: o
agradecimento a plateia. Isso, porque, para Sady Bianchin, à realização de um
espetáculo teatral, podem faltar luz, a trilha sonora, o figurino, a maquiagem,
o cenário; podem faltar todos esses itens. Porém, duas coisas são
imprescindíveis para que a magia do teatro aconteça, para que o espetáculo
possa realizar-se o ator e o público. Sem ator e público, a apresentação
torna-se inviável. É dessa troca, entre ator e plateia, que uma apresentação
teatral torna-se possível.
Saí da sala, após o espetáculo, com essa sábia perspectiva
levantada pelo Sady e, naturalmente, eu transpus, para a minha vivência com a poesia: eu, Paulo
Sabino, que adoro realizar saraus, encontro poéticos, a interação entre poetas
e seus leitores, sei o quão importante é, para um poeta com esses mesmos
interesses, ter em suja plateia, aqueles que comunguem da sua paixão maior. E
hoje o Centro Cultural da Justiça Federal, a convite do curador deste evento, o
querido Tchello d´Barros, eu tenho o prazer a alegria de prestar essa homenagem
a um poeta cujos nome e sobrenome podemos perfeitamente trocar por “palco”, “ribalta”, “proscênio”, “sarau”,
“encontro literário”, oficina de arte cênica”, “festival literário”, porque seu
movimentos em prol da poesia está em perfeita sintonia com os espaços onde se
dá, onde acontece, a magia da poesia falada: este poeta é o grande e super
querido ARTUR GOMES.
Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos maiores responsáveis
pela manutenção e preservação de espaços onde desfrutamos da troca que é
imprescindível às artes cênicas troca
entre poeta e plateia. Falar de ARTUR GOMES é falar de um dos poetas mais
atuantes na manutenção e preservação de
locais onde a poesia falada, a poesia oral, a poesia trocada pelo verbo, é a
grande estrela. E nesse seu esforço de manutenção e preservação desses espaços,
ARTUR GOMES é dos poetas que mais roda o Brasil, participando de inúmeros
saraus, festivais, encontros e festas literárias, ao longo de sua extensa
carreira artística, mas de 40 anos dedicados à palavra – a grande musa e amante
de qualquer poeta.
Nestes 45 anos de carreira, contabilizados a partir do ano
de lançamento do seu primeiro livro de poesia, Um Instante No Meu Cérebro,
1973, ARTUR GOMES, no seu amor pela palavra, e de modo abrangente, no seu amor
pelas artes, desenvolveu uma série de outras frentes de trabalho: além de sua
atuação como poeta, ARTUR GOMES é um artista multifacetado, um artista antenado
a diversas linguagens artísticas, como o teatro, a fotografia, o audiovisual e
a performance.
Para que todos os presentes tenham ciência do que digo, de
1985 a 2002, o poeta dirigiu a “Oficina de Artes Cênicas”, do CEFET-Campos,
hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense. De 2011 a
2012, coordenou oficinas de produção audiovisual, na mesma instituição de
ensino. Em 1999 criou o FestCampos de Poesia Falada, que até hoje é realizado
pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes. De
2014 a 2016, esteve à frente das oficinas de teatro no “Sesc Campos”. Em 2017
dirigiu o curso de teatro multi-linguagens, no SINASEFE (Sindicato Nacional dos
Servidores Federais de Educação Tecnológica), núcleo do Instituto Federal
Fluminense. Atualmente, ARTUR GOMES é professor de interpretação, do Curso
Livre de Teatro, da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos
Gotacazes, no estado do Rio, e apresenta a performance “Poesia Viva Poesia” que
já conta com mais de uma centena de apresentações. Mês passado ele participou
do 1º Festival de Brasília da Poesia Brasileira, e este mês, hoje, está aqui
participando da 11ª Mesa-redonda sobre Poesia Visual Contemporânea.
E a presença de um poeta multifacetado, como é ARTUR GOMES,
nesta noite, não é mera coincidência. Quando pensamos ou falamos em poesia
visual, não podemos jamais, desvincular esse tipo poético do nome ARTUR GOMES.
Desde o início dos anos 80, ARTUR GOMES é uma voz que dá voz-espaço à poesia
visual. Em 1983, criou o projeto “Mostra Visual de Poesia Brasileira”, com o
objetivo de reunir, num mesmo espaço físico, todas as linguagens poéticas
contemporâneas. Em 1993, na sua décima edição, em parceria com o “Grupo Livre
Espaço de Poesia”, a MVPB (Mostra Visual de Poesia Brasileira) foi realizada
pele rede SESC-SP, em homenagem ao centenário de Mário de Andrade, que culminou com o prêmio de “Evento do Ano”,
concedido pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), ao Grupo Livre
Espaço de Poesia.
Por muito, portanto, a homenagem prestada ao poeta precursor
da poesia visual é mais do que justa. Encerrando a minha participação saúdo a
poética de ARTUR GOMES lendo um poema do livro que o poeta lança neste evento,
o Juras Secretas, e autografa assim que eu me calar.
Jura
Secreta 89
não sou um anjo certo
estou sempre anjo torto
mas se fizer de mim
anjo da guarda
te guardarei a sete chaves
no armário do meu corpo
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